terça-feira, 24 de novembro de 2009

Que esta imagem seja símbolo do vosso domínio sobre nós

O 12 de outubro de 1931, durante a inauguração do monumento do Cristo Redentor na montanha do Corcovado, o cardeal Dom Sebastião Leme da Silveira Cintra, arcebispo de Rio de Janeiro, realizou -de joelhos a solenidade de consagração do Brasil a Cristo Rei.

Estavam presentes, o presidente da República, Getúlio Vargas, quarenta e cincos bispos de todo o país, e alguns leigos.

A estátua foi identificada desde o início como expressão do mistério do Sagrado Coração, Redentor e Rei. A consagração, que é sínteses disto, foi composta pela madre Maria José de Jesus, priora do Convento de Santa Teresa, a pedido pontual do cardeal Leme. Eis o texto.

“Senhor Jesus, Redentor nosso, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, que sois para o mundo fonte de luz, de paz, de progresso e de felicidade, Salvador que nos remistes com o sacrifício de Vossa vida, eis a vossos pés representado o Brasil, a Terra de Santa Cruz, que se consagra solenemente a vosso Coração sacratíssimo e vos reconhece para sempre seu Rei e Senhor.

"Vós escolhestes no céu brasileiro a vossa cruz, de onde jamais poderá ser apagada. O Rei e Senhor Jesus reina sobre nossa Pátria. Queremos que o Brasil viva e prospere sob os vossos olhares. Queremos que o vosso povo seja sempre iluminado pela verdade de vosso Evangelho.

"Reina, ó Cristo Rei!
"Reina, ó Cristo Redentor!

"Ser brasileiro significa crer em Jesus Cristo, amar a Jesus Cristo, e esta sagrada imagem seja o símbolo do vosso domínio, de vosso amparo, da vossa predileção, da vossa bênção que paira sobre o Brasil e sobre todos os brasileiros.

Amém".

MADRE MARIA JOSÉ DE JESUS, Oração de Consagração do Brasil a Cristo, Rio de Janeiro, 1931. Tirada do jornal Staffetta Riograndense, de Caxias do Sul, 21 de outubro de 1931, página 1.
*
Cartão postal da inauguração do Christo Redemptor, autor anônimo, 1931, Río de Janeiro.

Leia mais...

Os traços históricos de uma convicção

Ao longo do século XIX e da primeira metade do século XX desenvolveram-se [na Igreja] movimentos de sacerdotes, [e sobretudo], leigos que irão exaltar a Cristo como Rei.

[...] Não se trata só de [manifestações de] devoção privada, mas de uma participação ontológica no Mistério de Cristo, do qual nasceram princípios de ação eclesial e social.

[...] Esta experiência inspirou uma atitude de [profunda] fidelidade à Igreja. Seus expoentes reagiram ao laicismo, ao galicanismo e ao jansenismo, dirigindo-se diretamente a Roma, precisamente num momento no qual o Papado [sofria] perseguição e era humilhado. [Reconhecimento da realeza de Cristo], devoção ao Sagrado Coração de Jesus e adesão filial ao Romano Pontífice exprimem-se como aspectos completamente unidos.

Impressiona a insistência com a qual os expoentes deste vasto movimento intervieram em todos os campos da vida pública, para que Cristo fora reconhecido como única fonte da dignidade [plena] da pessoa e dos povos.

Os monumentos e as basílicas dedicadas ao Sagrado Coração multiplicaram-se por toda a geografia "católica": a Basilique du Sacré Coeur de Montmartre, em Paris, solicitada [em 1873] pelos parlamentares da Terceira República; a Basílica del Voto Nacional, também chamada Catedral de la Consagración, em Quito, Equador, [ordenada pelo Governo Nacional em 1883]; o Templo Expiatorio Nacional del Sagrado Corazón de Jesús [hoje chamado Santuario Nacional de la Gran Promesa], de Madri em 1933, ou o Santuário da montanha do Cubilete, no México, onde os cristãos levantam um monumento a Cristo Rei em 1920, no meio duma violenta perseguição.

Ao [Concílio] Vaticano I chegaram inúmeras petições de consagração do mundo ao Sagrado Coração de Jesus [por exemplo, a do episcopado francês ou 700 mil assinaturas de Espanha]. A idéia recebeu acolhida da Santa Sé e foi difundida por toda parte. Será Leão XIII quem realize este gesto em 1899. Esta dimensão social da devoção ao Sagrado Coração está intimamente ligada à exaltação de Cristo Rei.

[...] Já Pio VII tinha projetado [entre 1800 e 1823] a criação duma espécie de ordem militar com a finalidade de fazer reinar a justiça e a religião, das que pudessem formar parte todos os homens de boa vontade, também os não católicos, que estariam subordinados ao Papa em quanto chefe da Igreja e vigário do Rei de reis e Dominador dos príncipes. Para o Pontífice só n'Ele, no Rei do céu, pode-se restaurar uma sociedade despedaçada.

É significativo que o primeiro esquema de De Ecclesia do [Concílio] Vaticano I, realizado entre 1869 e 1970, iniciara Cum Rex pacificus.

Muitos sacerdotes e leigos, tendo presente esta posição colocaram seu trabalho apostólico ao serviço do Reino de Cristo, como o jesuíta, Henri Ramière, [autor de O Reino de Jesus Cristo na historia, de 1863], co-fundador com o padre Francois-Xavier Gautrelet do movimento do Apostolado da Oração e da revista Le messager du Coeur de Jèsus.

[...] O Adveniat Regnum Tuum, converteu-se no lema de muitos fundadores de congregações religiosas como o padre Emanuel d'Alzon, fundador dos Agostinhos Assuncionistas; o padre Pietro Giuliano Eymard, fundador dos Sacerdotes do Santíssimo Sacramento e das Escravas do Santíssimo Sacramento; o padre Léon Dehon, fundador dos Sacerdotes do Sagrado Coração; o padre José Gras y Granollers, fundador das Filhas de Cristo Rei; e o pároco Pedro Legaria Armendáriz, fundador das Escravas de Cristo Rei. [Na fundação de suas obras exprimiam explicitamente o desejo de contribuir] ao Reinado Social de Cristo, ao Reino do Sagrado Coração.

Estes fundadores e seus movimentos foram muito além das instituições e das congregações religiosas nascidas deles; intervieram na vida pública; escrevem livros, fundam jornais e revistas, escolas, obras sociais, associações e confraternidades leigas. Usaram todos os meios a seu dispor para comunicar esta experiência. Reivindicaram a liberdade de ensino e de imprensa para os católicos, fundaram grupos de leigos dispostos a lutar por estar liberdades e de intervir nas questões sociais. Trabalharam em estreita relação uns com os outros. Fizeram-se amigos e ajudaram-se mutuamente [...] e todos exprimiram sua fidelidade ao Papa.

Este movimento nasceu da experiência do encontro com Cristo, e sublinhou o Mistério Eucarístico, a salvação oferecida a todos simbolizada no Coração Traspassado e a humanidade encarnada do Redentor.

Os gestos de consagração do mundo ao Coração de Jesus pretenderam ser uma confissão pública do fato de Cristo ser a origem e principio de tudo perante uma sociedade edificada numa mítica autonomia humana absoluta. Isto é afirmado na consagração da Bélgica ao Sagrado Coração, em 1869, e na de Equador, promovida pelo presidente Gabriel García Moreno, em 1873, quem pagará seu gesto com a morte [dois anos após].

[O missionário] Daniel Comboni consagra África ao Sagrado Coração de Jesus, em 1873, e ao Sagrado Coração de Maria, em 1875, precisamente na maior capital escravista de Oriente, a cidade de El Obeid. O ato de consagração, foi redigido pelo padre Ramière.

Leão XIII realizará o ato de consagração do gênero humano ao Sagrado Coração mediante as disposições da encíclica Annum sacrum, do 25 de maio de 1899. O caráter régio de Jesus se coloca de relevo na encíclica leonina. Cristo é o Rei do Universo, por direito de nascimento e por direito conquistado. Leão XII deseja que esta realeza seja reconhecida publicamente por todos os povos. Mulheres [contemporâneas suas] como a irmã Maria do Divino Coração (Maria Dröste zu Vischering), superiora do Recolhimento do Bom Pastor em Porto, Portugal, pediram o mesmo.

Nasceram nesse período os Congressos Eucarísticos Internacionais por meio de uma mulher, a senhora Emilie Tamisier, com ajuda de monsenhor Louis-Gaston de Ségur. O primeiro se celebrará em Lille, [ao norte da França], em 1880.

Alguns anos mais tarde, em pleno século XX, Pio XI ao instituir a festa [litúrgica] de Cristo Rei com a encíclica Quas Primas, do 11 de dezembro de 1925, exaltou a soberania universal de Cristo. Em 1928, na encíclica Miserentissimus reconhece e vincula a realidade de Cristo Rei ao Mistério de seu Coração Traspassado na Cruz.

[A devoção a Cristo Rei foi afirmada ao longo de todo o século XX com o sangue dos cristão que] gritando "Viva Cristo Rei" como derradeiras palavras foram martirizados nas múltiplas perseguições anti-católicas em diversos paises, e especialmente no México e na Espanha nos anos vinte e trinta, respectivamente.

FIDEL GONZÁLEZ, Los movimientos en la historia de la Iglesia, Madrí, 1999.
*
Pantocrátor del ábside de la iglesia de San Clemente de Tahull, detalhe, afresco de autor anônimo, Museu Nacional d'Art de Catalunya, Barcelona.

Leia mais...

E seu Reino jamais será destruído

Eis que, entre as nuvens do céu, vinha um como Filho de Homem, aproximando-se do Ancião, foi conduzido à sua presença. Foram-lhe dados poder, glória e realeza, e todos os povos, nações e línguas o serviam; seu poder é um poder eterno que não lhe será tirado, e seu reino, um reino que jamais será destruído.
DANIEL ou ANÔNIMO, Livro de Daniel, Babilônia, entre os séculos VI e II a.C.
*
Pantócrator ou Maestà del Signore, detalhe de afresco anônimo, século XI, Basílica benedettina Sant'Angelo in Formis, Capoue, Itália.

Leia mais...

Deste reino nunca será desterrada a cruz

Cristo impera! E o seu império é o império da paz, do amor, da misericórdia e do perdão. Aqui na terra enluarada pela visão branca do cristo, não há vencedores nem vencidos. Somos todos irmãos, filhos da mesma Pátria, membros da mesma família.
[...] Cristo vence! E porque esta terra é sua, ela nunca será vencida pelo estrangeiro invasor, nem retalhada pela guerra civil.
Cristo reina! E deste reino nunca será desterrada a cruz da sua e de nossa bandeira. Já hoje seria preciso um cataclismo para fazer desmoronar a montanha escarpada que transformamos em trono perpétuo do Redentor. Seria preciso calcinar o granito do Corcovado dos nossos corações.
Seremos o doce império em que não há lugar para tiranias. Nem a tirania de capitalismos vorazes. Nem a tirania da demagogia sangrenta. Nem a tirania dos potentados. Nem a tirania do povo.
Christus vincit, Christo regnat, Christo imperat, et Brasiliam suam ab omni malo defendat! Cristo vence, Cristo reina, Cristo impera, e contra todos os males defenda o Seu Brasil!
DOM SEBASTIÃO LEME, Discurso de encerramento da cerimonia de entronização de Cristo Redentor no Corcovado, Rio de Janeiro, 21 de outubro de 1931.
*
A primeira missa no Brasil, pintura de Candido Portinari, 1948, colección particular, Rio de Janeiro.

Leia mais...

A voz da Igreja: O culto ao verdadeiro Rei

1. UMA ANTIGA TRADIÇÃO. Tem sido um costume muito antigo chamar Jesus Cristo de Rei, no sentido metafórico, a causa de supremo grado de excelência que possui e que lhe coloca acima de todas as coisas criadas. Assim, se diz que reine nas inteligências dos homens, não tanto pelo sublime e altíssimo grau de sua ciência quanto porque Ele é a Verdade e porque os homens necessitam beber d’Ele e receber obedientemente a verdade. Diz-se também que reina nas vontades dos homens, não só porque n’Ele a vontade humana está inteira e perfeitamente submetida a santa vontade divina, mas porque Ele influi na nossa livre vontade e a incendeia em nobilíssimos propósitos. Finalmente, se diz com verdade que Cristo reina nos corações dos homens porque, com superabundante caridade (Ef 3,19) e com mansidão e benigdade, se faz amar pelas almas de maneira que ninguém jamais – entre todos os nascidos – há sido e nunca será amado como Cristo Jesus.

2. REI EM SENTIDO ESTRITO. Também em sentido próprio e estrito lhe pertence a Jesus Cristo como homem o título e a potestade de Rei; pois só enquanto homem se diz de Ele que recebeu do Pai a potestade, a honra e o reino (Dan 7, 13-14); porque como Verbo de Deus, cuja substancia é idêntica ao Pai, não pode menos de ter em comum com Ele o que é próprio da divindade e, por tanto, possuir também como o Pai o mesmo império supremo e absolutíssimo sobre todas as criaturas.

3. TRÍPLICE POTESTADE. Vindo agora explicar a força e natureza deste principado e soberania de Jesus Cristo, indicaremos brevemente que contem uma tríplice potestade, sem a qual apenas se comprende um verdadeiro e próprio principado. Os testemunhos, mencionados das Sagradas Escrituras, acerca do império universal de nosso Redentor, provam mais que o suficiente quanto temos dito; e é dogma de fé católica, que Jesus Cristo foi dado aos homens como Redentor, em quem deve confiar, e como legislador a quem deve obedecer (Concílio de Trento, sessão 6 canone 21.). Os santos Evangelhos não só narram que Cristo legislou, mas apresenta-se também legislando. Em diferentes circunstâncias e com diversas expressões disse o Divino Mestre que quem guardar seus preceitos demonstrará que lhe ama e permanecerá nele sua caridade (Jn 14, 15; 15, 10.). O mesmo Jesus, ao responder aos judeus, que lhe acusavam de haver violado o sábado com a maravilhosa cura do paralítico, afirma que o Pai lhe havia dado a potestade judicial, porque o Pai não julga ninguém, se não que deu todo o poder de julgar a seu Filho (Jn 5, 22), no qual se compreende também seu direito de premiar e castigar os homens, ainda durante sua vida mortal, porque isso não se pode separar do juízo, ademais, deve atribuir a Jesus Cristo a potestade chamada de executiva, posto que é necessário que todos obedeçam a seu mandato, potestade que inflige castigos aos rebeldes, aos que ninguém pode subtrair.

4. REI DO AMBITO ESPIRITUAL. Sem dúvida os textos que temos citado da Escritura demonstra evidentíssimamente, o mesmo Jesus Cristo confirma com seu modo de trabalhar, que este reino é principalmente espiritual e se refere as coisas espirituais. Com efeito, em várias ocasiões, quando os judeus, e ainda os mesmo apóstolos, imaginaram erroneamente que o Messias devolveria a liberdade ao povo e restabeleceria o reino de Israel, Cristo lhes pagou e arrancou esta vã esperança. Assim mesmo, quando ia ser proclamado Rei pela multidão, que, cheia de admiração, o rodeava, Ele recusou o título de honra fugindo e escondendo da solenidade. Finalmente, na presença do governador romano manifestou que seu reino não era deste mundo. Este reino está demonstrado nos evangelhos com tais características, que os homens, para entrar nele, devem preparar-se fazendo penitência e não podem entrar se não pela fé e o batismo, o qual, ainda que seja um rito externo, significa e produz a regeneração interior. Este unicamente se opõe ao reino de satanás e a potestade das trevas; e exige de seus súditos não só que, despegadas suas almas das coisas e riquezas terrenas, guardem os ordenados costumes e tenham fome e sede de justiça, se não também que se neguem a si mesmo e tomem sua cruz. Tendo feito Cristo, Redentor, resgatado a Igreja com seu Sangue e oferecendo-se que se renova cada dia perpetuamente, quem não vê que a dignidade real do Salvador se reveste e participa da natureza espiritual de ambos ofícios?

5. REI DO AMBITO TEMPORAL. Por outra parte, erraria gravemente aquele que negasse a Cristo-Homem o poder sobre todas as coisas humanas e temporais, pois que o Pai lhe confiou um direito absolutismo sobre as coisas criadas, de tal sorte que todas estão submetidas ao seu arbítrio. Enquanto viveu sobre a terra se absteve inteiramente de exercitar seu poder, e assim como desprezou a posição e o cuidado das coisas humanas, assim que também permitiu, e segue permitindo, que os possuidores delas as utilizem.

6. CONTRA O LAICISMO. E agora mandamos que Cristo Rei seja honrado por todos os católicos do mundo, com isso proveremos também as necessidades dos tempos presentes, e ofereceremos um remédio muito eficaz a peste que hoje infecciona a humana sociedade. Julgamos peste de nosso tempo ao chamado laicismo com seus erros e abomináveis intentos; e vós sabeis, veneráveis irmãos, que tal impiedade não apareceu em um só dia, se não que está a muito tempo dentro da sociedade. Começou-se por negar o império de Cristo sobre todas as gentes; se negou a Igreja o direito, fundado no direito mesmo de Cristo de ensinar o gênero humano, isto é, de dar leis e dirigir os povos para conduzi-los a eterna felicidade. Depois, pouco a pouco, a religião cristã foi igualada com as demais religiões falsas e rebaixada indecorosamente ao nível destas. Se a submeteu logo ao poder civil e a arbitrária permissão dos governantes e magistrados. E se avançou mais: houve alguns destes que imaginaram substituir a religião de Cristo com certa religião natural, com certos sentimentos puramente humanos. Não faltaram Estados que creram poder passar sem Deus, e pusseram sua religião na impiedade e no desprezo de Deus.

PAPA PIO XI, encíclica Quas primas, Nos. 6, 13-15, 23.
Roma, 11 de Dezembro de 1925.
*
Santa faz, Georges Rouault, 1946, Museo Vaticano de Arte Moderna, Vaticano.

Leia mais...

Traz escrito no manto Rei dos reis e Senhor dos senhores

Jesus Cristo é a testemunha fiel, primogênito dentre os mortos e soberano dos reis da terra. Àquele que nos ama, que nos lavou de nossos pecados no seu sangue e que fez de nós um reino de sacerdotes para Deus e seu Pai, glória e poder pelos séculos dos séculos! [...] Eu sou o Alfa e o Ômega, diz o Senhor Deus, aquele que é, que era e que vem, o Dominador. [...] Está vestido com um manto tinto de sangue, e o seu nome é Verbo de Deus. Seguiam-no em cavalos brancos os exércitos celestes, vestidos de linho fino e de uma brancura imaculada. De sua boca sai uma espada afiada, para com ela ferir as nações pagãs, porque ele deve governá-las com cetro de ferro e pisar o lagar do vinho da ardente ira do Deus Dominador. Ele traz escrito no manto e na coxa: Rei dos reis e Senhor dos senhores!
SÃO JOÃO, Apocalipse, Patmos, final do século I.
*
Frontal d'altar de la Seu d'Urgell ou dels Apòstols, pintura de autor anônimo, primeira metade do século XII, Museo Nacional de Arte de Cataluña, Barcelona.

Leia mais...

Jesus de Nazaré, o Basileus

Os [quatro] evangelistas caracterizam a pregação de Jesus como Evangelho... Recentemente, tem-se traduzido por “boa-nova”; isso soa bem, no entanto permanece muito longe da ordem de grandeza que a palavra Evangelho carrega. Esta palavra pertence à linguagem do imperador romano, que se entende como senhor do mundo e como seu redentor, como seu salvador. As mensagens que vinham do imperador chamavam-se Evangelho, independentemente do fato de o seu conteúdo ser alegre e agradável. O que vem do imperador –esta era a idéia– é uma mensagem redentora, não uma simples notícia, mas uma mudança do mundo para o bem.

Se os evangelistas tomam esta palavra de tal modo que ela se tornou o conceito genérico para os seus escritos, querem assim dizer: o que o imperador, que se fazia passar por Deus, sem razão pretendia, isso acontece aqui: mensagem cheia de poder, que não é simples discurso, mas realidade. No vocabulário atual da teoria da linguagem se poderia dizer: o Evangelho não é um discurso puramente informativo, mas “performativo”, não simples comunicação, mas ação, força eficaz que entra no mundo [...] aqui acontece verdadeiramente o que o imperador podia afirmar, mas não realizar. Porque aqui entra em ação o verdadeiro Senhor do mundo, o Deus vivo.

O conteúdo central do Evangelho diz: o Reino de Deus está próximo. É colocada uma marca no tempo, algo de novo acontece. E é exigida uma resposta do homem a esta oferta: conversão e fé. O centro deste anuncio é a mensagem da proximidade do Reino de Deus.

[...] A partir da leitura das suas palavras, Orígenes caracterizou Jesus como a autobasiléia, isto é, como o Reino de Deus em pessoa. Jesus mesmo é o “Reino”; o Reino não é uma coisa, não é um espaço de domínio como um reino do mundo. É pessoa: o Reino é Ele.

[...] Orígenes, no seu escrito sobre a oração, diz: “quem reza pela chegada do Reino de Deus, reza sem dúvida pelo Reino de Deus que ele já leva em si mesmo, e pede para que este reino produza frutos e para que chegue a sua plenitude. Pois em cada homem santo, Deus domina”.

[...] No termo “Reino de Deus” a palavra hebraica que se encontra aqui subjacente –malkut– designa, como também a palavra grega Basiléia, a função de soberania, a condição de senhor que era própria do rei. Não se trata, portanto, de um reino iminente ou a constituir-se, mas sim da realeza de Deus sobre o mundo, a qual de um modo novo se torna acontecimento na história... deste modo a tradução “Reino de Deus” é insuficiente, pois seria melhor se se falasse da condição senhorial de Deus ou da soberania de Deus.

JOSEPH RATZINGER - BENTO XVI, Jesus de Nazaré, Roma, 2007.
Tradução: José Jacinto Ferreira de Farias
*
Cristo Rei de reis ou Basileus tôn basileôn, icone de Alexander Kazantsev, 1690, Catedral da Natividade da Virgem Maria, Murom, Rússia.

Leia mais...

A cruz agora é o trono, o estandarte do Rei

“Postula a me, et dabo tibi gentes hæreditatem tuam”.
Salmo 2, 8.

E os filhos do reino se alegram porque já não estão sós. Realizou-se a Promessa. São a herança do Pai.

“Adveniat regnum tuum” (Mt 6, 10) – Cada dia se aproxima mais e mais o reino esperado. Os filhos do reino se unem ao Rei. Seus dias já não são de exílio. Eles vivem no exílio, mas o seu exílio está cheio de Presença.

Eles têm saudades da Pátria, mas eles já podem cantar o canto novo porque um Rei lhes foi dado. “Dominará de mar a mar e desde o rio até as extremidades da terra” (Sl 72, 8)

A unidade primitiva fora estabelecida. Os deserdados do Pai e com eles toda a criação já não constituem mais o exércitos rebelde, disperso, sem chefe. Um rei assume o cetro. Um Deus se incarna. É o Homem Deus. O Maranatha secular, grito de angústia da humanidade decaída, é ouvido. Ele veio. O povo amaldiçoado é agora o seu povo. “Ele é dos nossos”. Vive a mesma vida daqueles que são seus irmãos.

Contradição para os judeus, escândalo para os gentios. Os profetas anunciavam a vinda do Rei. “Não é este o filho do carpinteiro?” (Mt 13.55). Decepção dolorosa para muitos. E a Promessa? Como reinará no trono de Davi, como governará a casa de Jacó?
- Impossível. Não pode ser este o Ungido esperado.
E muitos o abandonam.

Mas o Monarca continua a construir o seu reino. “Regnum meum non est hunc”(Mt 18, 36). Muitos são os chamados, poucos são os escolhidos. A turba imensa que o acompanha não lhe pode compreender a linguagem. “Como é dura esta linguagem” (Jo 6, 60).

O seu reino se afirma. “Beati oculi qui vident quae vos videtis. Muitos profetas e reis desejaram ver o que vedes e não viram” (Lc 10, 23-24). O seu reino começa a ser descoberto pelos pescadores incultos. Serão os primeiros pregadores da Palavra do Rei. Contraste estupendo. Afirmação mais positiva da presença do Espírito. Afirmação mais positiva do regnum meum non est hunc.

E os contrates se multiplicam. O Rei é condenado, o Rei do maior império, rei dos Reis.
- Tu és Rei?
Ego sum (Jo 18, 37).

Palavras de um Deus, afirmação tremenda. Realidade forte demais para ser compreendida pelo intelecto humano. E os filhos do reino são confundidos no Mistério. O Rei toma a sua cruz, patíbulo infamante.
- Como interpretar o Salmista?
“Todos os reis da terra o adorarão” (Sl 72, 11). “Eu o estabeleci Rei sobre Sion, sobre a montanha Santa” (Sl 2, 6).

O Rei dos judeus morre como um condenado. Providencialmente, encimando a cruz, as iniciais I.N.R.I. afirmam a realeza. E o reino prometido a Abraão e à sua posteridade? As profecias? Como deviam estar decepcionados aqueles que esperavam a realização da Promessa. Pobre discípulo de Emaús, como lhes estava velada a Escritura. Mas o Mestre se apresenta. E seus olhos se abrem. Maravilha grandiosa. O mistério é luz. Arrebata. Cristo ressuscitou. Aleluia.

O Rei venceu a morte. O Rei venceu as trevas. Qual outro rei poderia fazer? A humanidade estava resgatada. O reino era agora compreendido. Os filhos vencerão a morte. Eles cantam: Aleluia! A cruz agora é o trono da glória. É o estandarte do Rei. Vexilla Regis.

Na cruz reinou o Cristo. Da cruz nasceu a igreja. Igreja a esposa do Rei. E desde então “tudo é vosso, vós sois de Cristo e Cristo é de Deus”(1 Cor 3, 22-23). A Igreja soberana universal, a Regina Mater, não se esquece do Rei.

Diariamente pelos lábios dos filhos, quando o dia não é dia ainda, uma voz se faz ouvir em matinas: “Vinde, adoremos o Rei dos Apóstolos, dos Mártires, dos Confessores, das Virgens”. Em Laudes ela presta homenagem ao Rei cantando seus salmos regios: “Dominus regnavit, decorem indutus est” (Sl 93, 1). “Jubilate Deo omnis Terra” (Sl 66, 2). Em Prima: “Ao Rei imortal honra e glória” (1 Tm 1,17). E, em todas as horas, o Adveniat regnum tuum, do Pater Noster.

O sacrifício que oferece diariamente ao Pai é a melhor dádiva real, é o próprio Rei. Assim como no seu Opus Dei, no ofício de cada dia, o sentido da realeza do Cristo é vivido com intensidade, assim no seu ciclo litúrgico a Igreja comemora em épocas diversas, a festa do Rei.

Em Natal, celebra o Rex pacificus, em Epífania, a manifestação ao rei dos povos. E a Teofania. A festa do Kyrios. Ele recebe as primícias da adoração do mundo. Na Páscoa, Ascensão, Transfiguração ele vive o mistério do Cristo vencedor, do Cristo glorioso, do Cristo Rei Pontífice.

Sentido fortíssimo de “Vós sois um povo escolhido, uma raça santa, um sacerdócio real” (1 Pd 2, 9). Mas os filhos do Rei se vão esquecendo de sua dignidade. É preciso que, zelosa, a Mãe os faça tomar consciência novamente de sua realeza. E é por isso que, no reinado de Pio XI, mais uma festa surge no calendário da Igreja. É agora, no último domingo [do Ano Litúrgico], nós os filhos do reino, celebramos a festa de Cristo Rei. É a nossa festa.

Precisamos despertar. Já não somos escravos e nem simples libertos. Somos herdeiros. À destra do Pai, no seu trono de glória está um dos nossos, está aquele a quem todo o poder foi dado no Céu e na Terra a cujo nome todos os joelhos se dobram. Voltemos a viver como reis e então nos serão dadas a justiça e a equidade. Restauremos em nós estas realidades supremas.

Preparamos-nos para a festa do Cordeiro. Ele é digno de receber o poder, a divindade, a sabedoria, a fortaleza e a honra (intróito). É João que nos fala na sua visão apocalíptica: E a toda criatura que há, a todos ouvi dizer: Ao que está sentado no trono e ao Cordeiro, louvor, honra, glória e poder pelos séculos dos séculos (Ap 5, 13).

Mergulhemo-nos no Mistério, vivamos o Mistério. Cristo é Rei. Aprendamos com a igreja, Esposa Imaculada, a esperar as bodas eternas, as núpcias do Rei. Regnum qui non erit finis...

ANÔNIMO, artigo publicado na revista A Ordem, com o titulo Cristo Rei, sem assinatura, Rio de Janeiro, outubro de 1941.
*
The Crucifixion, pintura de Thomas Eakins, 1880, Philadelphia Museum of Art, Filadélfia, Pensilvânia.

Leia mais...

No meio de todas as batalhas...


De pé brava juventude da minha Pátria! Que aí, no cruzamento tormentoso de todos os riscos estejas presente [...] Que aí acima dos punhos crispados dos verdugos se te veja levantar os braços e juntar tuas duas mãos com as duas mãos de Cristo, molhadas no sangue de todas Suas batalhas, e que de esta imensa embriaguez com Cristo, no meio da luta, saiam a Igreja e a Pátria, resgatadas, radiantes e rejuvenescidas [...] Que se te veja sempre com os braços erguidos no meio da batalha em todos os domínios –imprensa, cátedra, literatura, oratória, filosofia, doutrinas, sistemas, política, arte –, e que si chegas tombar depois de deixar uma dinastia firme enraizada na roça, tenhas por sudário glorioso –como Cristo- as cicatrizes de uma luta espantosa. Assim, acima do derrocamento, dos despojos e da pusilanimidade dos nossos valores atuais, passarão os cascos dos corcéis dos ginetes audazes da reconquista.
ANACLETO GONZÁLEZ FLORES, Tu serás Rey, Guadalajara, primeira edição sem data, redigido entre 1923 e 1926.
Tradução: Diego de Jesús Hernández.
*
Blessed Father Miguel Pro, detalhe, pintura de Neilson Carlin, 2007, Capela de Our Lady of Guadalupe, La Crosse, Wisconsin.

Leia mais...