Os [quatro] evangelistas caracterizam a pregação de Jesus como Evangelho... Recentemente, tem-se traduzido por “boa-nova”; isso soa bem, no entanto permanece muito longe da ordem de grandeza que a palavra Evangelho carrega. Esta palavra pertence à linguagem do imperador romano, que se entende como senhor do mundo e como seu redentor, como seu salvador. As mensagens que vinham do imperador chamavam-se Evangelho, independentemente do fato de o seu conteúdo ser alegre e agradável. O que vem do imperador –esta era a idéia– é uma mensagem redentora, não uma simples notícia, mas uma mudança do mundo para o bem.
Se os evangelistas tomam esta palavra de tal modo que ela se tornou o conceito genérico para os seus escritos, querem assim dizer: o que o imperador, que se fazia passar por Deus, sem razão pretendia, isso acontece aqui: mensagem cheia de poder, que não é simples discurso, mas realidade. No vocabulário atual da teoria da linguagem se poderia dizer: o Evangelho não é um discurso puramente informativo, mas “performativo”, não simples comunicação, mas ação, força eficaz que entra no mundo [...] aqui acontece verdadeiramente o que o imperador podia afirmar, mas não realizar. Porque aqui entra em ação o verdadeiro Senhor do mundo, o Deus vivo.
O conteúdo central do Evangelho diz: o Reino de Deus está próximo. É colocada uma marca no tempo, algo de novo acontece. E é exigida uma resposta do homem a esta oferta: conversão e fé. O centro deste anuncio é a mensagem da proximidade do Reino de Deus.
[...] A partir da leitura das suas palavras, Orígenes caracterizou Jesus como a autobasiléia, isto é, como o Reino de Deus em pessoa. Jesus mesmo é o “Reino”; o Reino não é uma coisa, não é um espaço de domínio como um reino do mundo. É pessoa: o Reino é Ele.
[...] Orígenes, no seu escrito sobre a oração, diz: “quem reza pela chegada do Reino de Deus, reza sem dúvida pelo Reino de Deus que ele já leva em si mesmo, e pede para que este reino produza frutos e para que chegue a sua plenitude. Pois em cada homem santo, Deus domina”.
[...] No termo “Reino de Deus” a palavra hebraica que se encontra aqui subjacente –malkut– designa, como também a palavra grega Basiléia, a função de soberania, a condição de senhor que era própria do rei. Não se trata, portanto, de um reino iminente ou a constituir-se, mas sim da realeza de Deus sobre o mundo, a qual de um modo novo se torna acontecimento na história... deste modo a tradução “Reino de Deus” é insuficiente, pois seria melhor se se falasse da condição senhorial de Deus ou da soberania de Deus.
JOSEPH RATZINGER - BENTO XVI, Jesus de Nazaré, Roma, 2007.
Tradução: José Jacinto Ferreira de Farias
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Cristo Rei de reis ou Basileus tôn basileôn, icone de Alexander Kazantsev, 1690, Catedral da Natividade da Virgem Maria, Murom, Rússia.
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