domingo, 12 de outubro de 2008

PORTICO: A Sede de Autonomia Absoluta


Chegou um momento na história onde aconteceu algo que nunca tinha acontecido na história do homem, nos diz Thomas Stearns Eliot, Premio Nobel de 1948, nos Coros de "A Rocha". Trata-se do secularismo. Oferecemos-lhes esta semana, junto a Eliot, um texto de Luigi Giussani, que indica como este fenômeno cindiu a cultura ocidental incorporando a idéia da absoluta autonomia do homem através da razão e do progresso. Um breve mas interesante texto do Papa João Paulo II nos sugere que não é produto do acaso. Por fim, uma colaboração sobre o secularismo como ditadura intolerante imposta, ponta do iceberg de uma cultura em crise por ter desmantelado a ideia de Transcendência. Boa Leitura...

OS EDITORES

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Aconteceu algo que não tinha acontecido nunca...


No Princípio DEUS criou o mundo.
[...] E quando houve homens
de múltiplas maneiras, atormentados,
procuraram encaminhar-se para DEUS
Cegamente e em vão, porque o homem é uma coisa vã,
e o homem sem DEUS é semente arrastada pelo vento:
levada em mil sentidos, sem encontrar lugar para pousar e germinar.
Iam atrás da luz e atrás das sombras,
e a luz impelia-os para a luz e as sombras conduziam-nos às trevas,
adorando serpentes ou árvores,
adorando demônios em vez de nada:
conclamando para uma vida além da vida,
por um êxtases não vindo da carne.
Estéril e vazío. Estéril e vazío.
E a treva por cima das profundezas.

[...] E o Espírito pairava sobre as águas,
e os homens que se volviam à luz, e eram conhecidos pela luz,
inverataram as Religiões Superiores;
e as Religioes Superiores eram boas
e levaram aos homens da luz à luz,
ao conhecimento do Bem e do Mal.
Porem, sua luz estava sempre cercada
e traspassada pelas trevas
como o ar dos mares mornos
esta penetrado pelo calmo bafo morto da Corrente do Ártico;
E quedaram-se em ponto morto,
ponto morto animado por um vislumbre de vida,
[...] Estéril e vazío. Estéril e vazío.
E a treva à face do abismo.

Então adveio, em um momento predeterminado,
um momento no tempo e do tempo,
Um momento não fora do tempo, mas no tempo,
naquilo que chamamos história:
cortando, cindindo a esfera do tempo,
um momento no tempo porém não como um momento do tempo,
Um momento no tempo, porém o tempo se fez mediante este momento
pois sem significado não há tempo,
e este momento do tempo deu-lhe o significado.

Então pareceu como se os homens foram avançar
da luz à luz, na luz do Verbo,
através da Paixão e do Sacrifício
salvados a despeito da natureza negativa
que o ser de cada qual continha;
bestiais como sempre, carnais, buscando-se a si mesmos como sempre,
egoístas e cegos como sempre,
E ainda assim, sempre lutando, sempre reafirmando-se,
sempre recomeçando a marcha pelo caminho que fora iluminado pela luz;
Freqüentemente detendo-se, vagando, perdendo-se, retardando-se,
voltando, mas jamais seguindo outro caminho.

Porém parece que aconteceu algo que não tinha acontecido nunca:
ainda não sabemos bem quando, nem por que,
nem como, nem onde.
Os homens deixaram a DEUS não por outros deuses,
dizem, senão por nenhum deus,
e isso nunca havia ocorrido, nunca
Que os homens simultaneamente negassem aos deuses
e adorassem a deuses, professando primeiro a Razão,
e logo o Dinheiro, e o Poder, e o que chamam Vida, ou Raça, ou Dialética.
A Igreja rejeitada, a torre derrubada, os sinos tirados,
o que temos que fazer, estar parados com as mãos vazias
e as palmas para cima em uma idade que avança progressivamente para atrás?

[...] Oh Pai damos a benvinda as tuas palavras
e cobraremos valor para o futuro
lembrando o pasado...
[...] Lembrai-vos da fé...
Nossa época é uma época de virtude moderada
e de vício moderado,
na qual os homens não deixam a Cruz
pois nunca a querem abraçar.
Mas nada é impossivel, nada,
para os homens de fé e convicção...
Oh DEUS, ajudai-nos.

THOMAS STEARNS ELIOT, Os Coros de "A Rocha", VII e VIII, Londres, 1934.

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O Homem como Divo


Podemos dizer que até o final da Idade Média as sociedades (...) identificavam como origem, destino e ideal do caminho a algo maior: Deus. A variedade dos fatores que constituem a personalidade e a convivência humana tendiam a uma unidade, tendiam a compor-se e a realizar-se em uma unidade, assegurando, dessa forma, uma concepção não-fragmentada da pessoa e, conseqüentemente, do cosmo e da história. O empenho ideal que caracteriza a Idade Média propunha a figura do santo como imagem exemplar da personalidade humana: uma figura de homem que tinha realizado a unidade de si mesmo com o seu destino. A grande mudança (vinda com a modernidade) é a fragmentação dessa unidade e dessa figura de homem.

[...] A santidade como ideal do homem projetava-o na direção de algo maior que ele e, nesta tendência rumo a um outro, a perfeição era, evidentemente, a unidade de todos os fatores humanos em Deus. Se o nexo com aquilo que é maior que o homem é cancelado, a perfeição como totalidade de fatores não pode existir, não é mais concebível. O que pode existir, então, é uma performance particular em um ou outro campo, uma capacidade particular neste ou naquele campo da expressividade humana. Desse ponto em diante, a ordem da cultura que passa a influenciar a sociedade é como que partida em pedaços numa parcialidade de enfoques. O ideal medieval da santidade é substituído (...) pelo Divo: não mais Deus em quem tudo deve confluir numa unidade harmônica, mas o Divo , o ídolo, o homem capaz que conta com suas próprias forças.

Toda esta parcialidade, esta ausência de unidade caracterizará o fio da cultura moderna, de seu pensamento e, conseqüentemente, de sua práxis (...) O Divo substitui Deus hoje.

[...] Mas nem mesmo nesta idéia nova de homem, entendido de modo inteiramente autônomo e capaz de realizar-se a si mesmo e a seus próprios projetos, deus é necessariamente eliminado. O que acontece é muito mais sutil, e foi muito bem sintetizado por Cornélio Fabro: “Deus, se existe, não interessa”, Deus não interessa para o homem concreto, para os seus interesses, para os seus problemas. Nesse campo, o homem é a medida de si mesmo, senhor de si mesmo, fonte da criação do projeto e da energia concreta para sua realização, incluindo a diretriz ética que isso implica.

Portanto, no âmbito dos problemas humanos, Deus, se existe, é como se não existisse. Realiza-se, assim, a divisão entre o sagrado e o profano, como se pudesse existir alguma coisa fora do "templo" de Deus que é o cosmo inteiro.

Assim, na medida que o racionalismo, através do poder político –depois da Revolução Francesa– assume definitivamente aquele divisão, ela se torna lentamente lugar-comum dos homens de saber, determinar o clima cultural, torna-se cultura dominante. A partir daí, através, inclusive, da educação estatal, depois de séculos, esta postura penetra o coração e a mente de todo o povo, tornado-se mentalidade social.

Quanto mais essa mentalidade se dilata, mais Deus se torna distantee não é tolerado se pretende intervir no destino do qual o homem se considera dono.

O termo com o qual se designa esta concepção, enquanto mentalidade social que se estabelece através de uma influência cultural que se tornou dominante por meio do poder e da educação pública, é laicismo. Ele é “a profissão de pertença do homem a si mesmo e basta” (Cornélio Fabro), é a presunção de uma autonomia total por parte do homem.

Ele é a causa da profunda dificuldade na qual a consciência religiosa se encontra hoje. Um deus que não tenha nada a ver com a vida é um Deus, no mínimo, inútil. Portanto, quanto mais um homem é ativo, interessado pela vida e nela empenhado, tanto mais sentiria estar perdendo tempo se parasse a fim de considerar um Deus assim. Deus se reduz a uma opção mais ou menos privada, a um patético conforto psicológico, a uma peça de museus. Para um homem que experimentasse febrilmente a brevidade do tempo e as muitas tarefas a realizar, aquele Deus não só é inútil mas também prejudicial, é o “ópio do povo”. Uma sociedade moldada por semelhante mentalidade pode não ser formalmente atéia, mas é de fato.

Um Deus assim não só é inútil e prejudicial como também não é Deus. Um deus que não interessa à atividade do homem, à sua construção, ao seu caminho rumo ao destino, constitui, na melhor das hipóteses, um desperdício de tempo e, em última análise, é com certeza algo a ser evitado, eliminado. A fórmula “Deus, se existe, não interessa” conduz coerentemente à conclusão “Deus não existe” .

A meu ver, o verdadeiro inimigo de uma religiosidade autêntica não é tanto o ateísmo, mas este laicismo: um ámbito sacro que não penetre no campo concreto dos interesses cotidianos do homem torna a relação com Deus concebível somente como totalmente subjetiva. A realidade humana continua com seus problemas e suas preocupações, à mercê dos critérios do homem, facilmente determinável, na prática, pelo poder.

Os valores fundamentais que a passagem para a época moderna, iluminista e secularizada, abalou e deturpou em relação à tradição cultural cristã são, antes de mais nada... uma redução do conceito de razão, (depois) uma segunda redução é operada sobre a imagem liberdade, (e, logo) uma terceira mudança profunda é operada na idéia de consciência.

LUIGI GIUSSANI, A Consciência Religiosa no Homem Moderno, Milão, 1985.

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Um Esforço Muito Bem Programado


Hoje deve-se falar (mais que do silêncio de Deus) da vontade de sufocar a voz de Deus. Este desejo de sufocar a voz de Deus está muito bem programado; muitos fazem qualquer coisa para que não se ouça Sua voz, e se ouça só a voz do homem, que não tem nada que oferecer que não seja terreno. E, as vezes, tal oferta leva consigo a destruição em proporções cósmicas. Não é esta a trágica histórica de nosso século?

[...] Quem é o responsável por isso? Diria que o responsável é a luta contra Deus, a sistemática eliminação de quanto há de cristão, uma luta que em grande medida domina há três séculos o pensamento e a vida do Ocidente. O coletivismo marxista não foi mais que uma “versão piorada” deste programa. Pode-se dizer que hoje semelhante programa se está manifestando em toda sua periculosidade e, ao mesmo tempo, com toda sua debilidade.

PAPA JOÃO PAULO II, Cruzando o Limiar da Esperança, Roma, 1994.

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OPINIÃO: A Desconstrução da Transcendência


A cultura ocidental, como cultura da transcendência que se desdobra em experiência ética do Bem, experiência intelectiva (noética) da Verdade e experiência metafísico-religiosa do Ser, desde o advento dos tempos modernos, vem sendo desmantelada.

A experiência ética, cuja condição de possibilidade reside na existência de um Bem supremo e objetivo, e que caracterizou a nossa cultura durante quase três mil anos, vem sendo minada, nos últimos quinhentos anos, com a negação progressiva do Bem transcendente.

Este Bem é o valor que conduz a liberdade humana a superar os limites da natureza, colocando uma lei absoluta acima da convenção social que seria responsável por definir como o homem deve agir.

A rejeição deste Bem supremo reduz a liberdade humana ao universo da particularidade da sensação, renegando a existência de valores universais. Esta é a chamada crise ética em que nós estamos imersos na pós-modernidade.

A experiência noética da Verdade, coloca os limites e a possibilidade de se conhecer a realidade objetivamente. A existência de uma Verdade transcendente indica o que o homem pode conhecer, definindo o que realmente é necessário por ser universal.

A negação desta Verdade absoluta retira o sentido da vida humana, pois não existe o necessário, mas apenas o contingente que se reduz na particularidade da sensação, colocando em xeque toda possibilidade de conhecimento da realidade.

Apesar desta negação ainda não ter atingido as ciências, último refúgio do conhecimento humano, nega a forma de conhecimento mais importante que consiste na busca do sentido humano das coisas, causando o ritmo desenfreado e doentio de nossa atual civilização, que se encontra em crise de sentido.

A experiência metafísico-religiosa do Ser, coroa das experiências noética e ética, coloca o ser humano diante da existência em contato com um Absoluto necessariamente existente. A forma mais poderosa e eficaz na história do ocidente foi e continua sendo o cristianismo.

A ligação com o Absoluto transcendente o qual se identifica plenamente com o Bem e a Verdade, declarando-se amor na Revelação bíblico cristã indica um modo de vida esplêndido caracterizado pelo entrelaçamento das experiências do amor espiritual e do conhecimento espiritual que geram um modo de vida ético fundado no Bem e um verdadeiro sentido para a vida humana.

A negação do Absoluto em nossos tempos conduz a um processo de profunda desumanização que reduz o ser humano a uma máquina biológica que não apresenta propósito algum por ter advindo de um caos original.

No momento em que o sujeito e não, o Absoluto, passa a ser o fundamento da verdade e da ação humana e em que se abandona a experiência religiosa por julgá-la uma fase de imaturidade da história humana, esta profunda crise de valores em que vivemos se anuncia com força e poder.

Nossa atual situação leva-nos a assumir a optar entre a negação completa da vida espiritual reduzindo o humano ao universo do particular das sensações num ethos naturalista, ou a reproposição da questão da transcendência, única saída que recolocaria a forma mais magnífica de vida, restabelecendo o curso do ciclo civilizatório conhecido como ocidental.

Fábio Cristiano Rabelo, membro do Nuec, Belo Horizonte, setembro de 2008.

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