segunda-feira, 2 de junho de 2008

PORTICO: A intolerancia dos "Tolerantes"



São tempos de pensamento débil e do império do politicamente correto. A tolerância para todas "as verdades" é norma desde que não se afirme que pode-se conhecer a realidade objetiva. A convicção da existencia da Verdade, única e clara, sinfônica, é considerada perigosa. O relativismo é a ideologia de moda. Impera como uma ditadura ferrenha que exclui aos "fundamentalistas" que ainda dão um voto de confiança à razão, ao senso comum e à fé.

Os traços crus da Guernica de Picasso tornam-se reais no meio do Auschwitz globalizado onde a ideologia relativista leva a homens comuns a se comportar como O Grande Inquisidor, imaginado por Fiódor Dostoiévski. Propomos-lhes, caros amigos, para refletir esta situação dois excelentes textos que dispensam apresentação. Boa leitura.

OS EDITORES

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Configura-se uma ditadura do Relativismo



Quantos ventos de doutrina conhecemos nestes últimos decénios, quantas correntes ideológicas, quantas modas do pensamento... A pequena barca do pensamento de muitos cristãos foi muitas vezes agitada por estas ondas lançada de um extremo ao outro: do marxismo ao liberalismo, até à libertinagem, ao colectivismo radical; do ateísmo a um vago misticismo religioso; do agnosticismo ao sincretismo e por aí adiante. Cada dia surgem novas seitas e realiza-se quanto diz São Paulo acerca do engano dos homens, da astúcia que tende a levar ao erro (cf. Ef 4, 14). Ter uma fé clara, segundo o Credo da Igreja, muitas vezes é classificado como fundamentalismo. Enquanto o relativismo, isto é, deixar-se levar "aqui e além por qualquer vento de doutrina", aparece como a única atitude à altura dos tempos hodiernos. Vai-se constituindo uma ditadura do relativismo que nada reconhece como definitivo e que deixa como última medida apenas o próprio eu e as suas vontades.

Ao contrário, nós, temos outra medida: o Filho de Deus, o verdadeiro homem. É ele a medida do verdadeiro humanismo. "Adulta" não é uma fé que segue as ondas da moda e a última novidade; adulta e madura é uma fé profundamente radicada na amizade com Cristo. É esta amizade que nos abre a tudo o que é bom e nos dá o critério para discernir entre verdadeiro e falso, entre engano e verdade. Devemos amadurecer esta fé, para esta fé devemos guiar o rebanho de Cristo. E é esta fé só esta fé que gera unidade e se realiza na caridade. São Paulo oferece-nos a este propósito em contraste com as contínuas peripécias dos que são como crianças batidas pelas ondas uma bela palavra: praticar a verdade na caridade, como fórmula fundamental da existência cristã. Em Cristo, coincidem verdade e caridade. Na medida em que nos aproximamos de Cristo, também na nossa vida, verdade e caridade fundem-se. A caridade sem verdade seria cega; a verdade sem caridade seria como "um címbalo que retine" (1 Cor 13, 1).

CARDEAL JOSEPH RATZINGER,
Santa Missa «Pro Eligendo Romano Pontífice»
Roma, 18 de Abril de 2005

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As raizes da Negaçao


Para certas pessoas, a diversidade cultural e das normas de comportamento leva, de maneira inevitável, a afirmar a existência de uma norma moral comum e objectiva. A partir da experiência da diversidade deduz-se a impossibilidade de normas morais universalmente válidas. O relativismo moral afirma que uma asserção ética só seria verdadeira no contexto de uma determinada cultura. Portanto, não haveria convicções nem princípios éticos melhores em relação aos outros, e ninguém teria o direito de dizer aquilo que é bom ou mau.

As teses do relativismo cultural e do relativismo ético foram revigoradas pelo desenvolvimento da razão moderna, um processo descrito de forma magistral pelo Papa Bento XVI, na sua lição na Universidade de Regensburg. Com síntese extrema, este processo é constituído pela redução da razão a uma ciência experimental, que combina a verificação empírica com a formulação matemática. Assim, só seria racional aquilo que é susceptível de experiência e formulável matematicamente. Todavia, os grandes questionamentos da existência do homem, os problemas da ética e da estética, a metafísica e sobretudo a questão de Deus permanecem fora de qualquer consideração, enquanto são pré-científicos e desprovidos de cientificidade (cf. Discurso na Universidade de Regensburg, 12 de Setembro de 2006).

Pois bem, esta restrição da razão contemporânea conduz inevitavelmente, no plano ético, ao subjectivismo da consciência. Não obstante as tentativas de Kant, de conservar uma moral universal, depois de ter descartado a metafísica, afirmando que o único conhecimento racional possível consiste na ciência, é necessário limitar a moral ao âmbito puramente subjectivo: não seria possível falar de normas morais universalmente conhecíveis. Mas então "o sujeito decide, tendo como base as suas experiências pessoais, o que lhe parece religiosamente sustentável e a "consciência" subjectiva torna-se de modo definitivo a única instância ética" (Ibidem). A consequência é clara: deste modo o ethos e a religião perdem a sua própria capacidade de dar vida a uma comunidade e tornam-se uma questão totalmente pessoal.

O subjectivismo ético levado ao extremo conduz à situação paradoxal de ter que admitir a imoralidade como moralmente positiva. Considerando o facto de que não existe um modo de determinar o que é bom ou mau, seria necessário concluir que todos os comportamentos são igualmente válidos. O sentido comum revolta-se diante desta conclusão à qual, todavia, se chega necessariamente a partir das premissas das quais se começa.

A lógica deste dinamismo leva àquilo que Bento XVI denominou "a ditadura do relativismo". Ou seja, diante da impossibilidade de estabelecer normas comuns, com a validade universal para todos, o único critério que permanece para determinar o que é bom ou mau é o uso da força, quer a dos votos quer a da propaganda ou das armas e da coerção. "Está-se a constituir uma ditadura do relativismo que nada reconhece como definitivo e que deixa como última medida somente o próprio "eu" e os seus desejos" (J. Ratzinger, Homilia na Missa "pro eligendo Romano Pontifice", 18 de Abril de 2005). A partir de tais pressupostos, seria impossível construir ou manter a vida social.

Por conseguinte, existe uma distinção fundamental, de cujo reconhecimento depende a própria subsistência da comunidade humana. Esta distinção é a linha de demarcação entre o bem e o mal. Sem esta distinção não resta outra alternativa ao reino da arbitrariedade.

Portanto, é necessário inverter o axioma do relativismo ético e postular vigorosamente a existência de uma ordem de verdade que transcende os condicionamentos pessoais, culturais e históricos, e que tem uma validade permanente. Esta ordem pertence ao campo que a filosofia denomina "lei natural". Não tenciono enfrentar aqui a problemática em redor deste termo, mas apenas sublinhar o facto de que com esta expressão se faz referência a uma ordem prévia ao homem, que ele não estabeleceu para si mesmo, que nenhum governo jamais promulgou e que ele somente pode reconhecer. Trata-se da constatação de que, diante do direito positivo, que pode ser injusto, deve existir um direito derivante da própria natureza, do próprio ser do homem. Este direito deve ser encontrado e constitui o remédio para o direito positivo.

A ideia de direito natural pressupõe um conceito de natureza estritamente associado à definição da razão. Pressupõe a ideia de que a natureza está imbuída pela razão, que nela existe um logos que o homem, com a sua razão, participação e imagem do Logos criador, pode reconhecer. A própria ciência, à qual devemos progressos inacreditáveis em todos os sectores, resultaria impossível sem a aceitação de uma racionalidade da natureza. Além disso, se o mundo constitui um simples produto do irracional, a nossa própria liberdade é, em última análise, uma ilusão.

Assim, a lei natural manifesta-se como uma espécie de "gramática" transcendente que permite o diálogo entre os povos, ou seja, um conjunto de regras de realização individual e de relacionamento entre as pessoas na justiça e na solidariedade, que está inscrita nas consciências nas quais se reflecte o sábio projecto de Deus.

A Igreja não tenciona impor a sua visão das realidades a todos os homens, como se tivesse a exclusividade do discernimento moral. Contudo, não pode renunciar ao profundo conhecimento que tem acerca do homem e da sociedade. Ela é perita em humanidade e deseja oferecer respeitosamente a sua contribuição para a criação da sociedade dos homens no meio dos quais vive.

Sobre este ponto, alguns teóricos como John Rawls ou Jürgen Habermas defenderam a necessidade do contributo das confissões religiosas para o debate público (cf. Bento XVI, Discurso na Universidade "La Sapienza", 17 de Janeiro de 2008; J. Habermas, Vorpoliti sche Grundlagen des demokratischen Rechstaates? in J. Habermas J. Ratzinger, Dialektik der Säkularisierung, pág. 34). De modo definitivo, elas desempenham um papel social não somente como elementos de integração social, que prestam subsidiariamente serviços sociais à comunidade, mas inclusive como fonte de saber e de conhecimento.

... A sociedade precisa de pessoas que revelem mediante a sua própria vida a existência de alguns valores fundamentais e edificantes; tem necessidade de testemunhas que, com a sua existência, trabalhem para recordar a todos os homens o valor da consciência, santuário de Deus no homem, e da verdade.

CARDEAL TARCISIO BERTONE, Secretario de Estado da Santa Sé
Havana, Cuba, 25 de Fevereiro de 2008

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