domingo, 19 de outubro de 2008

PORTICO: O Juízo das Urnas


Domingo, há eleições. Depois de uma impressionante reviravolta no primeiro turno chega por fim a hora de eleger quem dirigirá o rumo da polis. Para muitos não é uma decisão fácil por julgar não se apresentar um candidato verdadeiramente digno de voto. Nesta semana queremos encorajar a participar, apesar de não termos as opções ideais, e a exercer o voto com responsabilidade. Por isso apresentamos alguns textos do Magistério que podem ajudar a orientar o próprio voto, incluída uma explanação sobre a doutrina do mal menor, que bem poderá ser usada por muitos neste domingo próximo. Resistindo a adequar-nos à triste realidade política que vivemos, queremos "votar" com a vida afirmando uma esperança: é possível que a política seja diferente, e um exemplo de carne e osso desta convicção é Robert Schuman. Boa Leitura e Boa eleição.

OS EDITORES

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Para um Voto Responsável

Apresentamos alguns textos do magistério orientadores para a eleição deste domingo.

1. DEMOCRACIA E PARTICIPAÇÃO. A Igreja encara com simpatia o sistema da democracia, enquanto assegura a participação dos cidadãos nas opções políticas e garante aos governados a possibilidade quer de escolher e controlar os próprios governantes, quer de os substituir pacificamente, quando tal se torne oportuno; ela não pode, portanto, favorecer a formação de grupos restritos de dirigentes, que usurpam o poder do Estado a favor dos seus interesses particulares ou dos objetivos ideológicos. Uma autêntica democracia só é possível num Estado de direito e sobre a base de uma reta concepção da pessoa humana. Aquela exige que se verifiquem as condições necessárias à promoção quer dos indivíduos através da educação e da formação nos verdadeiros ideais mediante a criação de estruturas de participação e co-responsabilidade. Hoje tende-se a afirmar que o agnosticismo e o relativismo cético constituem a filosofia e o comportamento fundamental mais idôneo às formas políticas democráticas, e que todos quantos estão convencidos de conhecer a verdade e firmemente aderem a ela não são dignos de confiança do ponto de vista democrático, porque não aceitam que a verdade seja determinada pela maioria ou seja variável segundo os diversos equilíbrios políticos. A este propósito, é necessário notar que, se não existe nenhuma verdade última que guie e oriente a ação política, então as idéias e as convicções podem ser facilmente instrumentalizadas para fins de poder. Uma democracia sem valores converte-se facilmente num totalitarismo aberto ou dissimulado, como a história demonstra.

Papa João Paulo II, Carta Encíclica Centesimus Annus, no. 46,
Roma, 1 de Maio de 1991

2. POLÍTICA E IDEOLOGIA. O católico que participa da ação política, “concebida como serviço, não pode, sem se contradizer a si mesmo, aderir a sistemas ideológicos ou políticos que se oponham radicalmente, ou então nos pontos essenciais, à sua mesma fé e à sua concepção do homem: nem à ideologia marxista, nem à ideologia liberal”.

Papa Paulo VI, Encíclica Octagesima adveniens, no. 26,
Roma, 14 de Maio de 1971

3. VOTO E CONSCIÊNCIA. “A consciência cristã bem formada não permite a ninguém favorecer, com o próprio voto, a atuação de um programa político ou de uma só lei, onde os conteúdos fundamentais da fé e da moral sejam subvertidos com a apresentação de propostas alternativas ou contrárias aos mesmos”.

Congregação para a Doutrina da Fé, Nota Doutrinal sobre algumas questões relativas à participação dos católicos na vida política, no. 4,
Roma, 24 de novembro de 2002

4. O DIREITO DE PARTICIPAÇÃO. Cada cidadão tem o direito de participar na vida da própria comunidade: esta é uma convicção, hoje geralmente compartilhada. Todavia, este direito torna-se vão quando o processo democrático fica desprovido da sua eficácia por causa de favoritismos e de fenômenos de corrupção, que não só impedem a legítima participação na gestão do poder, mas dificultam também o acesso equitativo de todos aos bens e serviços comuns. Chega-se a manipular as eleições, para assegurar a vitória de certos partidos ou indivíduos. Trata-se duma afronta à democracia com sérias consequências, já que os cidadãos têm não só o direito, mas também a responsabilidade de participar: quando ficam impedidos de o fazer, perdem a esperança de poderem intervir eficazmente e deixam-se cair num comportamento de passivo desinteressamento. E assim torna-se praticamente impossível o desenvolvimento de um perfeito sistema democrático.

Mensagem de João Paulo II, Mensagem do Dia Mundial da Paz, No. 6,
Roma, 1 de Janeiro de 1999

5. VOTO RESPONSAVEL. O voto depositado na urna exige dos eleitores um compromisso... São convidados a acompanhar os eleitos no cumprimento de sua missão e a valorizar os que atuam com critérios éticos... Propomos critérios para a votação: comportamento ético dos candidatos e defesa da vida, da família e da liberdade de iniciativa no campo da educação, da saúde e da ação social, em parceria com as organizações comunitárias. Consideramos qualidades imprescindíveis para os candidatos: honestidade, competência, transparência, vontade de servir ao bem comum, comprovada por seu histórico de vida.

Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil, Declaração Eleições,
Itaicí, 9 de Abril de 2008

6. PRESBITEROS E CANDIDATURAS. Os padres participam de um corpo eclesial que exige comunhão e pertença a um presbitério, ao qual devem ouvir, evitando as decisões de cunho estritamente pessoais. O Código de Direito Canônico não apresenta dúvidas: “os clérigos são proibidos de assumir cargos públicos que implicam participação no exercício do poder civil” (c. 285 § 3º). E ainda: “Não tenham parte ativa nos partidos políticos e na direção de associações sindicais, a não ser que, a juízo da competente autoridade eclesiástica, o exijam a defesa dos direitos da Igreja ou a promoção do bem comum” (c. 287 § 2º).
Portanto, advertimos: O padre, que se candidatar a cargos executivos ou legislativos, não contará com a aprovação da Igreja; deverá deixar o seu ofício eclesiástico e ficará, durante a campanha eleitoral e o exercício de eventual mandato, com restrições, ou até mesmo suspensão, do seu uso de ordem.

Bispos de Minas Gerais e espírito Santo, Carta sobre as Eleições 2008,
Belo Horizonte, 5 de junho de 2008

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O Princípio do Mal Menor


O que chamamos de "princípio do mal menor" pode ser expresso, em sentido amplo, da seguinte maneira: diante de males inevitáveis é preciso escolher o menor.

[...] Tem dois campos de aplicação: o genérico, da prática, e o específico, da ética da decisão. Num primeiro sentido (amplo), o princípio do mal menor significa que, prevendo males inevitáveis, é preferível permitir o menor, escolhendo-o para evitar o mal maior. Num segundo sentido (mais restrito), o princípio do mal menor significa que, quando todas ou cada uma das possíveis decisões a serem tomadas são, realmente negativas e não existe alternativa para tomar uma decisão, é preciso optar pela menos negativa.

No primeiro sentido, o mal menor se refere às conseqüências derivadas de uma decisão numa situação que obriga a fazer uma escolha; sendo essa situação inevitável, escolhe-se a conseqüência menos prejudicial. No segundo sentido, refere-se, ao contrário , à decisão em si mesma, que se revela problemática no momento em que qualquer decisão é negativa; nessa situação de perplexidade, é preciso decidir-se por aquilo que parece menos mal. Em ambos os sentidos a aplicação desse princípio tem limites relacionados com os chamados "absolutos morais" ou com as ações desordenadas em si próprias.

[...] Aristóteles coloca o problema do mal menor no contexto da justiça. A justiça é uma certa proporção; quem é injusto atribui a si mesmo mais do que lhe é devido, e, quem é vítima de injustiça, recebe menos bens do que lhe caberia. Em relação aos males (entendido aqui não como mal moral, mas como aquilo que deve ser suportado como adversidade) acontece o contrário: "O mal menor, em relação a um mal maior, está situado na categoria de bem. Pois um mal menor é preferível a um mal maior. E aquilo que é preferível sempre é um bem, e quanto o mais preferível este seja maior bem é" (Ética a Nicômaco V.3). O mal menor portanto, é preferível não porque seja um bem objetivo, mas sim porque o bem que se perde com o mal maior é mais valioso. O mal menor, em Aristóteles, é consequência de uma decisão justa.

Tanto na Política como na Ética a Nicômaco, são desenvolvidos muitos argumentos de conteúdo concreto, para demonstrar que uma determinada decisão é preferível em virtude de suas conseqüências menos prejudiciais. Aristóteles estava consciente, todavia, que esse modo de pensar ou fazer escolhas de decisões práticas difíceis, em função do melhor ou do pior das conseqüências previstas, é, freqüentemente, incerto, porque, na experiência prática, podem ocorrer fatores que não haviam sido levados em consideração na decisão, no momento em que se avaliou.

Na reflexão cristã, o argumento do mal menor está ligado, mais do que nos pensadores da antiguidade, à consideração da existência de determinados valores morais absolutos.

[...] Santo Tomás de Aquino concebe o mal menor como a escolha preferível entre males inevitáveis, ressaltando que o mal moral não pode ser cometido em razão de as consequências previstas representarem males menores em relação às consequências materiais penosas que o agir com retidão implica... A escolha do mal menor é lícita somente quando não existe nenhuma outra alternativa possível e os males em questão são inevitáveis; é lícito então escolher entre eles o mal menor.

[...] Santo Afonso Maria de' Liguori, no seu célebre tratado Teología Moral (1755), resume o argumento do mal menor em relação à consciência assim: "Consciência perplexa é a de quem, diante de dois preceitos establecidos, acredita que pecará se escolher um ou outro, ... caso possa suspender a ação, é obrigado a adiá-la enquanto consulta pessoas competentes. Se não puder suspendê-la, é obrigado a escolher o mal menor, evitando transgredir o direito natural mais do que o direito humano. Se não é capaz de discernir qual seja o mal menor, faça o que fizer, não peca, porque nesse caso falta a liberdade necessária para que exista pecado formal".

[...] Porém, quando o argumento do mal menor é empregado num contexto em que não são levadas em consideração a exigência ética da verdade moral objetiva e a existência de valores morais absolutos, mas apenas e exclusivamente as conseqüências tidas como positivas ou negativas, prescindindo da moralidade da escolha em si mesma, o argumento do mal menor degenera em sofisma.

Conselho Pontifício para Família, Lexicon, Roma 2002.

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Dialogo com um Cético

O jornalista e doutor em literatura René Lejeune apresenta um breve diálogo fictício dele próprio com Pirro (365-275), pai do ceticismo. O grego questiona qualquer possibilidade de um comportamento ético na política, enquanto o francês vai além da afirmação ética, defendendo que se pode ser santo ao viver a política como vocação inspirada por uma profunda fé cristã. Lejeune fala de primeira mão, pois foi colaborador de Robert Schuman de 1945 até 1958.

PIRRO: Ousa falar de “santidade na política”! Acaso este não é um terreno por excelência de intriga, manobras, especulações e de confusão? Não é um auto-serviço de ambições pessoais tão devoradoras? “Santidade na política”: expressão quimérica e aberrante. Estes dois termos são inconciliáveis.

RENÉ LEJEUNE: Confesso que há poucas luzes neste espaço tenebroso. Lugar onde os choques de interesses se atropelam: interesses privados e públicos, profissionais e corporativistas, nacionais e internacionais... No entanto, apesar de tudo isso, o que é no fundo a política? Não é a organização do bem comum, com o propósito de realizar cada vez mais a solidariedade e a justiça no seio de uma comunidade nacional, regional ou local? Não é uma coisa santa, no sentido em que a Bíblia, Palavra de Deus, fala de “lugar santo”, “assembléia”, “aliança santa”?

PIRRO: Puro idealismo e visão perigosa! Confunde você um princípio abstrato, uma ideologia, suavidade de natureza religiosa, com a realidade inelutável, os fatos concretos e tangíveis, projeção da natureza humana em que o instinto se impõe a razão.

RENÉ LEJEUNE: Tenho em conta as cargas da realidade e do aparente determinismo da natureza humana. Não obstante, se você olhar objetiva e globalmente sobre nossa sociedade, não tem havido enormes progressos, graças à solidariedade e justiça ao longo do século XX especialmente, apesar das terríveis recaídas nas barbáries? Esses avanços não são uns dos vários frutos da política?

PIRRO: É certo. Mas a que preço! Mantenho que a política é um campo de manobras de leões e raposas. Maquiavel é seu dono, e não Gandhi. Maomé é seu motor, e não o evangelho. Se bem que é verdade que na política produz alguns frutos. Faço o desafio de que me fale de um de seus atores que tenha praticado de tal maneira que, sem caricatura e fábulas, se pode falar de “santidade na política”.

RENÉ LEJEUNE: Desafio aceito! Há um homem de Estado Francês cuja vida e ação política é uma boa ilustração. Que contribuiu de maneira determinante a orientar uma época complicada da história. O ato político que aceitou com audácia em 9 de maio de 1950 se abre às nações, no horizonte do terceiro milênio depois de Jesus Cristo, perspectivas novas de coexistência pacífica e de estreita cooperação. Seu nome: Robert Schuman...

RENÉ LEJEUNE, Robert Schuman: Pere de l'Europe, París, 2000

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Schuman, uma Vocação Política

Robert Schuman nasceu em 29 de junho de 1886 em Clausen, Luxemburgo. De família humilde o jovem frequentou a escola primária e secundária em Luxemburgo. Tendo realizado estudos superiores de Direito na Alemanha, em Berlim, Munique, Bonn e Estrasburgo, ele abriu um gabinete de advocacia em Metz em junho de 1912. Dois anos mais tarde, a Primeira Guerra Mundial começou; Robert Schuman foi dispensado por problemas de saúde.

Schuman admirava sua mãe Eugenia Duren, que era luxemburguesa de Bettemburgo e que se casara em 1884 com Jean-Pierre Schuman. Ele havia passado a maior parte de sua infância com ela, pois seu pai trabalhava o dia todo no campo. Sua mãe era muito sensível e piedosa, fato que iria marcar profundamente a vida e atos de Robert Schuman.

Sentindo-se chamado à política, Robert Schuman entrou em 1919 no Parlamento como deputado da Moselle graças a reunificação de Alsácia-Lorena à França. Tendo desempenhado, com muita coragem e força, a defesa de projetos que contribuiriam para o bem comum, Schuman era admirado por sua coerência e alcançou grande prestígio até mesmo entre seus adversários. Era seu costume participar cotidianamente da santa missa antes de ser dirigir ao parlamento.

Em 1939, uma nova guerra se iniciou e, em março de 1940, Robert Schuman foi nomeado subsecretário de Estado para os Refugiados. Foi preso pela Gestapo em Lorena, sendo colocado secretamente na prisão de Metz em 14 de setembro do mesmo ano, dia de Nossa Senhora das Dores. Neste período de clausura, Robert Schuman passou os dias como um monge acompanhado de seus seletos livros. Schuman via tudo com muita serenidade e, segundo ele, estes dias de prisão foram um período de “diálogo interior permanente”. Tendo sido mais tarde transferido para Neustadt, no Rheinland-Pfalz, em 13 de abril de 1941, ele conseguiu fugir e alcançar a zona livre em agosto de 1942, passando pela abadia de Ligugé.

Quando a França se tornou de novo livre, retomou a carreira política. Foi ministro das Finanças em 1946, presidente do Conselho de Ministros de 1947 e 1948; ministro dos Negócios Estrangeiros durante quatro anos. Mais tarde Robert Schuman tornou-se ministro francês das Relações Exteriores. Foi neste cargo que, em 9 de maio de 1950, com uma histórica declaração, propôs aos Estados que tinham combatido durante a Segunda Guerra Mundial que fosse colocada em comum a produção de carvão e de aço, que fora a causa de seculares inimizades entre a França e a Alemanha. Da reconciliação entre estes dois países, nasceu a primeira Comunidade Européia, inspirada em princípios cristãos, e dessa, mais tarde, a atual União Européia. Nessa ação, Schuman foi ajudado por dois fervorosos católicos: Konrad Adenauer e Alcide De Gasperi. A sua declaração de 9 de maio foi histórica e marcou profundamente a Europa e a humanidade. Pois, o que ele fez foi colocar lado a lado nações que haviam se combatido na Segunda-Guerra mundial em busca dos mesmos objetivos, o que era impensável até então. Schuman acreditava na providência divina e, neste caso, ele realmente foi um instrumento dela. Segundo ele, “a paz mundial não poderá ser garantida sem a criação de esforços proporcionais aos perigos que a ameaçam. Para manter a paz, é indispensável a contribuição de uma Europa vital e bem organizada”.

No seu livro Pela Europa, Schuman escreveu: "A democracia nasceu no dia em que o homem foi chamado a realizar, na sua vida temporal, a dignidade da pessoa humana, na liberdade individual, no respeito pelos direitos de cada um e com a prática do amor fraterno para com todos. Jamais, antes de Cristo, tinham sido formuladas tais idéias". Acrescentava que "a democracia será cristã ou não será democracia. Uma democracia anticristã será uma caricatura, que resultará em tirania ou na anarquia".

Robert Schuman morreu em 4 de Setembro de 1963 e por ter vivido a santidade na vida na política, em 9 de junho de 1990, Mons. Raffins, Bispo de Metz abriu o processo de beatificação na capela das irmãs servas do Coração de Jesus. Atualmente encontra-se na Congregação para as Causas dos Santos na Santa Sé para exame. No dia 3 de março de 2004, João Paulo II declarou que "temos de estar presente nos grandes debates que têm lugar no nosso país e sobre o futuro da Europa, contribuindo para dar uma alma para o Continente, como Robert Schuman teria desejado, cujo processo de beatificação será concluído muito em breve". É através do exemplo político de Robert Schuman que se pode falar “sem caricatura e fábulas” em “santidade na política”.

Nota biográfica preparada por Diego da Silva, membro do nuec,
Belo Horizonte, Outubro de 2008

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Santos na Politica?

Entrevista realizada pelo jornalista Gianni Cardinale ao cardeal José Saraiva Martins. O prelado português foi prefeito da Congregação para as Causas dos Santos de 1998 até 2008. O texto foi publicado pela revista italiana 30 Giorni, na sua edição de Setembro de 2004.

GIANNI CARDINALE: Os cinqüenta anos da morte de Alcide De Gasperi, cujo processo de beatificação está em andamento - ainda em nível diocesano -; o acesso às honras dos altares de Alberto Marvelli, membro da Ação Católica e assessor da Democracia Cristã de Rímini nos primeiros anos do pós-guerra; a beatificação de Carlos de Habsburgo, último imperador da Áustria: o conjunto desses acontecimentos oferece o ponto de partida para discutir as relações entre santidade e política... Eminência, a política é também a arte do compromisso. Santidade e compromisso são compatíveis?

JOSÉ SARAIVA MARTINS: O uso da palavra “compromisso” pode ser fonte de confusões. Poderia também ser entendida como negociata, até mesmo em prejuízo da verdade e da justiça. E, se fosse assim, toda a classe política seria automaticamente desqualificada. Todavia, é verdade que, na atividade política, quase nunca é possível alcançar tudo o que se pretende. Em primeiro lugar, Deus estabeleceu uma ordem do universo na lei eterna ou direito natural, mas, dentro dessa moldura, quis a colaboração livre e responsável dos homens, segundo os ditamos da própria consciência retamente formada, ao levar a termo no tempo a obra da criação. A observância da lei natural e a liberdade responsável do indivíduo são, portanto, elementos inseparáveis, e constituem juntos o estatuto desejado por Deus para o agir do cristão na esfera temporal. Se as soluções para todos os casos possíveis estivessem preestabelecidas, a liberdade e, portanto, também a dignidade do homem seriam deixadas de lado, e nem se poderia mais falar de História, mas apenas de um rígido determinismo. Ora, quando há mais de uma posição legítima, a ninguém é lícito tentar impor aos outros as próprias opiniões, e será preciso chegar a uma decisão que seja o resultado de um confronto honesto e aprofundado dos diversos pareceres.

GIANNI CARDINALE: Portanto, para um político católico é possível aprovar leis não perfeitamente aderentes à doutrina católica?

SARAIVA MARTINS: Nos parágrafos 73 e 74 da encíclica Evangelium vitae, João Paulo II sugere a hipótese de um parlamentar que, diante de uma lei lesiva ao direito à vida que não pode ser completamente revogada - e o mesmo vale para as leis contrárias à dignidade e à estabilidade da família ou para tantas outras semelhantes -, pode e às vezes deve “oferecer o próprio apoio a propos­tas que visassem limitar os danos de uma tal lei e diminuir os seus efeitos negativos no âmbito da cultura e da moralidade pública”, desde que seja clara e conhecida por todos sua oposição pessoal a tal lei. Eu me limito a acenar à questão, que exigiria outras explicações. Mas nem nesse caso penso que se possa falar de compromisso.

GIANNI CARDINALE: É possível para os políticos serem também santos?

SARAIVA MARTINS: Certamente. O chamado universal à santidade diz respeito obviamente também aos políticos, como afirma o Concílio Vaticano II na constituição apostólica Lumen gentium: “É, pois, claro a todos, que os cristãos de qualquer estado ou ordem são chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade”. O fato de o chamado se realizar já é um outro passo. A atividade dos políticos deve estar a serviço do bem comum. É evidente, portanto, que quem a exerce pode se santificar e também que a própria atividade política pode e deve ser santificada. É, portanto, motivo de alegria o fato de que muitos leigos participem da política ativamente, segundo suas condições e possibilidades. Não por acaso, Paulo VI definia a política como “a mais alta forma de caridade”.

GIANNI CARDINALE: As causas de canonização dos homens políticos são mais complicadas do que as outras?

SARAIVA MARTINS: Por si mesmas, não são mais complicadas. A Igreja não canoniza um sistema político, mas a pessoa que praticou heroicamente as virtudes e que, portanto, no campo específico da política, agiu em conformidade com a fé, com verdadeira competência e na busca contínua do bem da sociedade, não dos próprios interesses. A maior complexidade pode vir, como também em outras causas, quando se trata de políticos cuja atividade teve ressonância em nível nacional ou internacional, em cujo caso será preciso situar a pessoa em seu contexto histórico e social, ao passo que em outros casos - pense-se, por exemplo, numa mãe de família que viveu o cotidiano num âmbito geográfico restrito - bastará uma descrição mais geral do ambiente no qual transcorre a vida do candidato à canonização.

GIANNI CARDINALE: O santo patrono dos políticos é São Tomás Morus. Poderíamos pensar, assim, que o martírio é o único caminho para um político se tornar santo...

SARAIVA MARTINS: Os políticos, também aqueles que aspiram à santidade, podem ficar tranqüilos. Não é necessário que aspirem necessariamente ao martírio... Qualquer fiel cristão que se tenha dedicado à política pode ser declarado santo. Pessoalmente, considero que Tomás Morus poderia ter sido canonizado mesmo que não tivesse sido mártir.

GIANNI CARDINALE: Há figuras de políticos santos que lhe são particularmente caras?

SARAIVA MARTINS: Eu não gostaria de exprimir preferências. Permito-me apenas assinalar a figura do último “político” beatificado, Alberto Marvelli, o qual, além de ser ex-aluno salesiano e um associado da Ação Católica, foi também assessor da Democracia Cristã no município de Rímini.

GIANNI CARDINALE: O que o impressionou particularmente na figura do beato Marvelli?

SARAIVA MARTINS: Duas coisas em particular. Em primeiro lugar, sua entrega total e sem medo a Jesus Cristo, não de maneira abstrata, mas tendo sempre em mente a frase de Jesus: “O que fizerem ao menor de meus irmãos, o tereis feito a mim”. Marvelli foi um grande apóstolo dos pobres. E depois a percepção do fato de que não é a habilidade ou a ação do político, mas somente a graça do Senhor que provê o bem de um Estado. Escrevia o beato Alberto: “Não fizemos nada pelas eleições, temos de trabalhar em profundidade. Em alguns lugares, trabalha-se muito, mas não se faz nada. É preciso trabalhar na graça de Deus...”.

GIANNI CARDINALE: Algumas declarações que o senhor fez em favor da santidade de De Gasperi, durante o “Acampamento dos jovens” organizado no santuário de San Gabriele dell’Addolorata, em Abruzzo, no final de agosto, viraram notícia. O senhor quer acrescentar alguma coisa?

SARAIVA MARTINS: Para lhe responder, recorro às palavras do beato cardeal Ildefonso Schuster, que, há cinqüenta anos, morreu poucos dias depois de De Gasperi. Quando o Arcebispo de Milão recebeu a notícia da morte do estadista de origem trentina, comentou: “Desaparece da terra um cristão humilde e leal que deu da sua fé testemunho inteiro em sua vida particular e na vida pública”. Para uma pessoa medida como Schuster, parece-me um elogio significativo, que confirma sua liberdade de juízo. Por ocasião do cinqüentenário da morte, vêm sendo destacadas mais as grandes qualidades de De Gasperi, sua partilha plena e convicta com Robert Schuman, cuja fase diocesana do processo de beatificação terminou, do projeto de uma verdadeira integração européia. As causas de beatificação de ambos, porém, são úteis para aprofundar ainda mais a sua arraigada e vivida espiritualidade cristã. Li com interesse o que o cardeal Angelo Sodano sublinhou, ou seja, como em De Gasperi “virtude religiosa e virtude civil se uniram a serviço do compromisso político”. Há uma frase muito bela, que hoje tem um caráter profético, escrita pelo servo de Deus Alcide a sua esposa, Francesca: “Há homens de posse, homens de poder, homens de fé. Eu gostaria de ser lembrado entre estes últimos”.

GIANNI CARDINALE: As causas de beatificação de políticos modernos parecem voltar-se exclusivamente a personalidades de origem popular/democrata-cristã (Marvelli, Schuman, De Gasperi...). Deve ser necessariamente assim?

SARAIVA MARTINS: Graças a Deus, a santidade não tem carteirinha. De nenhum gênero. A única lei de Deus válida para um político cristão baseia-se em dois eixos: de um lado, a lei natural entendida segundo as declarações do magistério da Igreja, que admite uma pluralidade de soluções concretas em cada caso; por outro, a decisão livre e responsável do interessado, que, na busca do bem da sociedade, segue os ditames da consciência retamente formada. A Igreja, portanto, nunca pode canonizar um sistema político concreto, nem, obviamente, pode dar preferência a particulares formas de partido. O sujeito da canonização é o político que, em sua atividade, pratica as virtudes em grau heróico, entre as quais o reto exercício da sua liberdade.

GIANNI CARDINALE: Em 3 de outubro (de 2004) foi beatificada uma figura política de outros tempos, Carlos de Habsburgo, último imperador da Áustria. O fato de ser um nobre foi uma vantagem ou desvantagem para os procedimentos de sua causa de beatificação?

SARAIVA MARTINS: Todos os membros da Igreja são filhos de Deus convidados a viver a vida de Cristo e participantes do mesmo chamado universal à santidade. Essa é a única nobreza que conta diante do Senhor. Portanto, com relação a ele não houve nenhuma particular deferência de natureza mundana.

GIANNI CARDINALE: A beatificação de Carlos de Habsburgo não poderia suscitar perplexidade em populações que não se lembram com prazer do Império Austríaco?

SARAIVA MARTINS: Com a proclamação a beato de Carlos de Habsburgo, declara-se a santidade de vida de um fiel cristão que praticou as virtudes em sua situação de imperador. Isso não comporta nenhum juízo de mérito acerca da bondade de suas opções concretas em matéria política. A causa não diz respeito ao Império Austro-Húngaro, mas a uma pessoa. Nem diz respeito a um particular sistema político. A Igreja, repito, não canoniza nenhuma forma institucional...

GIANNI CARDINALE: Nem a democracia?

SARAIVA MARTINS: Nem a democracia é perfeita. Basta lembrar o simples fato de que Adolf Hitler foi eleito democraticamente... A Igreja, como diz o Papa na Centesimus annus, respeita a legítima autonomia da ordem democrática e não tem autoridade para exprimir preferências por uma ou outra solução institucional.

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OPINIÃO: Os Cristãos nas Eleições


A principal arma dos cidadãos no regime democrático é o voto. É através dele que o povo pode fazer valer a sua vontade e o seu legítimo poder. É pelo voto que cada cidadão participa dos destinos de sua nação. É pelo voto que ajuda a nação a mudar de rumo, que elimina os maus governantes.

Diz a nossa Constituição que “todo poder emana do povo e que em seu nome é exercido”. Portanto, como dizem os sociólogos, “todo povo tem o governo que merece”. O governante sai do meio do povo e é escolhido pelo povo.

O cristão precisa exercer sua cidadania na construção de uma sociedade justa e solidária. Por isso é importante despertar o senso global das responsabilidades políticas.

Se o povo sabe votar bem e escolher homens e mulheres honestos e capazes para dirigir a cidade, o estado e a nação, então, esse povo terá bons governantes, honestos e justos, que saberão priorizar bens os recursos públicos, os impostos pagos pelos cidadãos, etc. No entanto, se o povo votar mal, escolher seus governantes por motivos escusos e egoístas, interesseiros, sem escolher bem os candidatos, então, terá certamente governantes que serão politiqueiros, e não políticos. Qual é a diferença entre uns e outros?

O político verdadeiro é aquele que governa e dirige “para o bem comum”; para o bem do povo; priorizando certamente os mais necessitados e as medidas mais urgentes que beneficiem a todos de modo geral. O verdadeiro político decide em função do bem comum e não de seus interesses eleitoreiros ou corruptos. Infelizmente muitos deles “se servem da política” ao invés de servir ao povo; muitos fazem da oportunidade de exercer um cargo público uma maneira de se enriquecer, empregar os familiares mais próximos, etc. É por isso que hoje o conceito dos políticos está lá em baixo; mas o povo tem culpa também nisso, pois é ele quem elege esses maus políticos. Se o povo escolhesse melhor, com mais consciência e seriedade, conhecendo cada um, as coisas seriam diferentes.

O verdadeiro político olha somente para o bem dos cidadãos e não para os seus interesses pessoais; não fica de olho “na próxima eleição”, mas realiza hoje o que é necessário para a cidade e para o povo, independente se isto ou aquilo que faz vai lhe dar mais ou menos votos. Alias, o que dá voto é exatamente o bom governo, a honestidade e o caráter do governante.

Quantas obras importantes e urgentes de serem realizadas não são feitas, simplesmente porque “não dão votos”. Mas, a politicagem um dia aparece clara aos olhos do povo. Disse alguém que é possível enganar a muitos durante pouco tempo, ou a poucos durante muito tempo, mas que é impossível enganar a todos o tempo todo. Um dia a casa cai.

Para o cristão, a política tem uma importância enorme, tanto para aquele que é simples eleitor, como para aquele que é candidato a algum cargo. O eleitor cristão precisa ter em mente que quando ele vota está exercendo um certo poder, e Jesus disse que todo poder vem do alto e é dado por Deus.

Nos regimes totalitários, como o comunismo, o povo não pode votar com liberdade; as eleições são “simulacros de eleições”; mas nas verdadeiras democracias o povo vota livremente. Então o cristão tem dupla responsabilidade de votar bem, como cristão e como cidadão.
É pecado “vender” o seu voto ou votar mal; isto é, dar o seu voto a alguém que não merece, que ele sabe que não é competente e nem honesto. O cristão não pode votar com “segundas intenções”, só porque aquele candidato vai-lhe ajudar depois de eleito, com um emprego, facilidades outras, etc. O cristão deve votar com a consciência, escolhendo entre todos os candidatos o melhor, independente de interesses, sentimentalismos ou grau de parentesco ou amizade. Também disso vamos prestar contas a Deus um dia.

O cristão não pode votar em candidatos que sejam inimigos da fé católica ou da Igreja; especialmente aqueles que apóiam os procedimentos morais condenados pela Igreja: aborto, distribuição de “camisinhas”, distribuição de pílulas do dia seguinte, que são abortivas, eutanásia, manipulação de embriões.

No entanto; às vezes o cristão pode se ver diante de uma situação em que não sabe em quem votar, uma vez que nenhum dos candidatos merecem o seu voto e não lhe inspiram confiança. O que fazer? Votar em branco? Anular o voto? Não; esta medida não resolve nada porque alguém será eleito de qualquer forma.

O que se deve fazer é votar no “menos ruim”, já que todos lhe parecem ruins. Votando em branco ou anulando o voto, podemos estar beneficiando o mais ruim.

Para que o cristão tenha uma participação ativa na política é necessário incentivar o levantamento e o debate dos problemas sociais em cada município, os problemas do estado e do pais. Sem informação, sem estar inteirados dos problemas do povo, não se pode votar bem. É importante participar de debates, diálogos entre amigos e familiares no sentido de instruir os que não têm informações corretas para que não sejam manipulados pelas propostas eleitoreiras.

Felipe Aquino é doutor em Física pela UNESP e membro do Conselho Diretor
da Fundação João Paulo II, São Paulo, Outubro de 2008

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