terça-feira, 24 de novembro de 2009

A cruz agora é o trono, o estandarte do Rei

“Postula a me, et dabo tibi gentes hæreditatem tuam”.
Salmo 2, 8.

E os filhos do reino se alegram porque já não estão sós. Realizou-se a Promessa. São a herança do Pai.

“Adveniat regnum tuum” (Mt 6, 10) – Cada dia se aproxima mais e mais o reino esperado. Os filhos do reino se unem ao Rei. Seus dias já não são de exílio. Eles vivem no exílio, mas o seu exílio está cheio de Presença.

Eles têm saudades da Pátria, mas eles já podem cantar o canto novo porque um Rei lhes foi dado. “Dominará de mar a mar e desde o rio até as extremidades da terra” (Sl 72, 8)

A unidade primitiva fora estabelecida. Os deserdados do Pai e com eles toda a criação já não constituem mais o exércitos rebelde, disperso, sem chefe. Um rei assume o cetro. Um Deus se incarna. É o Homem Deus. O Maranatha secular, grito de angústia da humanidade decaída, é ouvido. Ele veio. O povo amaldiçoado é agora o seu povo. “Ele é dos nossos”. Vive a mesma vida daqueles que são seus irmãos.

Contradição para os judeus, escândalo para os gentios. Os profetas anunciavam a vinda do Rei. “Não é este o filho do carpinteiro?” (Mt 13.55). Decepção dolorosa para muitos. E a Promessa? Como reinará no trono de Davi, como governará a casa de Jacó?
- Impossível. Não pode ser este o Ungido esperado.
E muitos o abandonam.

Mas o Monarca continua a construir o seu reino. “Regnum meum non est hunc”(Mt 18, 36). Muitos são os chamados, poucos são os escolhidos. A turba imensa que o acompanha não lhe pode compreender a linguagem. “Como é dura esta linguagem” (Jo 6, 60).

O seu reino se afirma. “Beati oculi qui vident quae vos videtis. Muitos profetas e reis desejaram ver o que vedes e não viram” (Lc 10, 23-24). O seu reino começa a ser descoberto pelos pescadores incultos. Serão os primeiros pregadores da Palavra do Rei. Contraste estupendo. Afirmação mais positiva da presença do Espírito. Afirmação mais positiva do regnum meum non est hunc.

E os contrates se multiplicam. O Rei é condenado, o Rei do maior império, rei dos Reis.
- Tu és Rei?
Ego sum (Jo 18, 37).

Palavras de um Deus, afirmação tremenda. Realidade forte demais para ser compreendida pelo intelecto humano. E os filhos do reino são confundidos no Mistério. O Rei toma a sua cruz, patíbulo infamante.
- Como interpretar o Salmista?
“Todos os reis da terra o adorarão” (Sl 72, 11). “Eu o estabeleci Rei sobre Sion, sobre a montanha Santa” (Sl 2, 6).

O Rei dos judeus morre como um condenado. Providencialmente, encimando a cruz, as iniciais I.N.R.I. afirmam a realeza. E o reino prometido a Abraão e à sua posteridade? As profecias? Como deviam estar decepcionados aqueles que esperavam a realização da Promessa. Pobre discípulo de Emaús, como lhes estava velada a Escritura. Mas o Mestre se apresenta. E seus olhos se abrem. Maravilha grandiosa. O mistério é luz. Arrebata. Cristo ressuscitou. Aleluia.

O Rei venceu a morte. O Rei venceu as trevas. Qual outro rei poderia fazer? A humanidade estava resgatada. O reino era agora compreendido. Os filhos vencerão a morte. Eles cantam: Aleluia! A cruz agora é o trono da glória. É o estandarte do Rei. Vexilla Regis.

Na cruz reinou o Cristo. Da cruz nasceu a igreja. Igreja a esposa do Rei. E desde então “tudo é vosso, vós sois de Cristo e Cristo é de Deus”(1 Cor 3, 22-23). A Igreja soberana universal, a Regina Mater, não se esquece do Rei.

Diariamente pelos lábios dos filhos, quando o dia não é dia ainda, uma voz se faz ouvir em matinas: “Vinde, adoremos o Rei dos Apóstolos, dos Mártires, dos Confessores, das Virgens”. Em Laudes ela presta homenagem ao Rei cantando seus salmos regios: “Dominus regnavit, decorem indutus est” (Sl 93, 1). “Jubilate Deo omnis Terra” (Sl 66, 2). Em Prima: “Ao Rei imortal honra e glória” (1 Tm 1,17). E, em todas as horas, o Adveniat regnum tuum, do Pater Noster.

O sacrifício que oferece diariamente ao Pai é a melhor dádiva real, é o próprio Rei. Assim como no seu Opus Dei, no ofício de cada dia, o sentido da realeza do Cristo é vivido com intensidade, assim no seu ciclo litúrgico a Igreja comemora em épocas diversas, a festa do Rei.

Em Natal, celebra o Rex pacificus, em Epífania, a manifestação ao rei dos povos. E a Teofania. A festa do Kyrios. Ele recebe as primícias da adoração do mundo. Na Páscoa, Ascensão, Transfiguração ele vive o mistério do Cristo vencedor, do Cristo glorioso, do Cristo Rei Pontífice.

Sentido fortíssimo de “Vós sois um povo escolhido, uma raça santa, um sacerdócio real” (1 Pd 2, 9). Mas os filhos do Rei se vão esquecendo de sua dignidade. É preciso que, zelosa, a Mãe os faça tomar consciência novamente de sua realeza. E é por isso que, no reinado de Pio XI, mais uma festa surge no calendário da Igreja. É agora, no último domingo [do Ano Litúrgico], nós os filhos do reino, celebramos a festa de Cristo Rei. É a nossa festa.

Precisamos despertar. Já não somos escravos e nem simples libertos. Somos herdeiros. À destra do Pai, no seu trono de glória está um dos nossos, está aquele a quem todo o poder foi dado no Céu e na Terra a cujo nome todos os joelhos se dobram. Voltemos a viver como reis e então nos serão dadas a justiça e a equidade. Restauremos em nós estas realidades supremas.

Preparamos-nos para a festa do Cordeiro. Ele é digno de receber o poder, a divindade, a sabedoria, a fortaleza e a honra (intróito). É João que nos fala na sua visão apocalíptica: E a toda criatura que há, a todos ouvi dizer: Ao que está sentado no trono e ao Cordeiro, louvor, honra, glória e poder pelos séculos dos séculos (Ap 5, 13).

Mergulhemo-nos no Mistério, vivamos o Mistério. Cristo é Rei. Aprendamos com a igreja, Esposa Imaculada, a esperar as bodas eternas, as núpcias do Rei. Regnum qui non erit finis...

ANÔNIMO, artigo publicado na revista A Ordem, com o titulo Cristo Rei, sem assinatura, Rio de Janeiro, outubro de 1941.
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The Crucifixion, pintura de Thomas Eakins, 1880, Philadelphia Museum of Art, Filadélfia, Pensilvânia.

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