domingo, 5 de outubro de 2008

PORTICO: Do Politico no Homem


Tempo político. Tempo de juízo. O voto torna-se ato moral. Ele contribui para edificar ou ferir o bem comum. E a responsabilidade não termina ali, apenas começa. Não votar, se abster, é também ato político, omissão lamentável. Mas, hoje, entende-se corretamente política? Por acaso não é sinônimo de necessária corrupção? É política jogo de mascaras e interesses particulares como parece insinuar o pintor Bill Stoneham em Body Politic, na imagem acima? Para trazer ar limpo à reflexão lhes propomos dois velhos e muito atuais textos, um de Aristóteles e outro de Santo Tomás de Aquino. Neles a política é uma nobre atividade que gera uma virtuosa vida social. Sua finalidade é o bem comum e nunca o interesse particular. A politeia é a forma virtuosa do governo de muitos, e a democracia sua forma corrompida e corruptora. Afirmação atual e instigante para nossa realidade brasileira. Façamos politeia. Esta é a motivação do terceiro texto, Tomás Moro padroeiro dos Políticos.

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OS EDITORES

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As raizes do Político


É evidente que qualquer cidade é uma certa comunidade e também toda comunidade está constituída visando a um bem. Assim, todas as comunidades pretendem como finalidade algum bem; mas sobretudo pretende o bem superior aquela que é superior e compreende às outras. Esta é que chamamos de cidade e comunidade cívica.

[...] A principal sociedade natural, que é a família, formou-se, portanto, da dupla reunião do homem e da mulher... Assim, a família é a sociedade cotidiana formada pela natureza e composta de pessoas que comem, como diz Carondas, o mesmo pão e se esquentam, como diz Epimênides de Creta, com o mesmo fogo.
A sociedade que em seguida se formou de várias casas chama-se aldeia e se assemelha perfeitamente à primeira sociedade natural, com a diferença de não ser de todos os momentos, nem de uma frequência tão contínua. Ela contém as crianças e as criancinhas, todas alimentadas com o mesmo leite. De qualquer modo, trata-se de uma colônia tirada da primeira pela natureza.

[...] A sociedade que se formou da reunião de várias aldeias constitui a Cidade, que tem a faculdade de se bastar a si mesma, sendo organizada não apenas para conservar a existência, mas também para buscar o bem-estar. Esta sociedade, portanto, também está nos desígnios da natureza. [...] Toda Cidade está na natureza e que o homem é naturalmente feito para a sociedade política. Aquele que, por sua natureza e não por obra do acaso, existisse sem nenhuma pátria seria um indivíduo detestável, muito acima ou muito abaixo do homem, segundo Homero: Um ser sem lar, sem família e sem leis. Aquele que fosse assim por natureza só respiraria a guerra, não sendo detido por nenhum freio e, como uma ave de rapina, estaria sempre pronto para cair sobre os outros.

Assim, o homem é um animal cívico, mais social do que as abelhas e os outros animais que vivem juntos. A natureza, que nada faz em vão, concedeu apenas a ele o dom da palavra, que não devemos confundir com os sons da voz. Estes são apenas a expressão de sensações agradáveis ou desagradáveis, de que os outros animais são, como nós, capazes. A natureza deu-lhes um órgão limitado a este único efeito; nós, porém, temos de modo exclusivo, o sentido do bem e do mal, do justo e do injusto. Este comércio da palavra é o laço de toda sociedade doméstica e civil.

Quer dizer, que por natureza, que a cidade é anterior à casa e cada um de nós. O todo existe necessariamente antes da parte. As sociedades domésticas e os indivíduos não são senão as partes integrantes da Cidade, todas subordinadas ao corpo inteiro, todas distintas por seus poderes e suas funções, e todas inúteis quando desarticuladas, semelhantes às mãos e aos pés que, uma vez separados do corpo, só conservam o nome e a aparência, sem a realidade, como uma mão de pedra. O mesmo ocorre com os membros da Cidade: nenhum pode bastar-se a si mesmo. Aquele que não precisa dos outros homens, ou não pode resolver-se a ficar com eles, ou é um deus, ou um bruto. Assim, a inclinação natural leva os homens a este gênero de sociedade.

[...] O homem é, por sua natureza... animal político, feito para a sociedade civil. Assim, mesmo que não tivéssemos necessidade uns dos outros, não deixaríamos de desejar viver juntos. Na verdade, o interesse comum também nos une, pois cada um aí encontra meios de viver melhor. Eis, portanto, o nosso fim principal, comum a todos e a cada um em particular.

[...] Mas não é apenas para viver juntos, mas sim para bem viver juntos que se fez o Estado... Aqueles que se propõem dar aos Estados uma boa constituição prestam atenção principalmente nas virtudes e nos vícios que interessam à sociedade civil, e não há nenhuma dúvida de que a verdadeira Cidade (a que não o é somente de nome) deve estimar acima de tudo a virtude.

Sem isso, não será mais do que uma liga ou associação de armas, diferindo das outras ligas apenas pelo lugar, isto é, pela circunstância indiferente da proximidade ou do afastamento respectivo dos membros. Sua lei não é senão uma simples convenção de garantia, capaz, diz o sofista Licefron, de mantê-los no dever recíproco, mas incapaz de torná-los bons e honestos cidadãos.

[...] A Cidade não é só uma comunidade de lugar, nem foi instituída simplesmente para se defender contra as injustiças de outrem ou para estabelecer comércio. Tudo isso deve existir antes da formação do Estado, mas não basta para constituí-lo. A Cidade é uma sociedade estabelecida, com casas e famílias, para viver bem, isto é, para se levar uma vida perfeita e que se baste a si mesma.... O fim da sociedade civil é, portanto, viver bem; todas as suas instituições não são senão meios para isso, e a própria Cidade é apenas uma grande comunidade de famílias e de aldeias em que a vida encontra todos estes meios de perfeição e de suficiência. É isto o que chamamos uma vida feliz e honesta. A sociedade civil é, pois, menos uma sociedade de vida comum do que uma sociedade de honra e de virtude.

[...] Não entra no plano da Política determinar o que pode convir a cada indivíduo, mas sim o que convém à pluralidade... Não há nenhuma dúvida de que o melhor governo seja aquele no qual cada um encontre a melhor maneira de viver feliz... Não existe Estado feliz por si mesmo senão o que se constitui sobre as bases da honestidade. Todos os regimes que visam pelo bem comum são retos e quantos defendem só o interesse particular dos governantes são errados e injustos.

ARISTOTELES. Politica. Escrito no ano 330 e 323 a.C.

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O governante e o bem comum

Logo, se é natural ao homem o viver em sociedade de muitos, cumpre que haja, entre os homens, algo pelo que seja governada a multidão. Que, se houvera muitos homens e tratasse cada um do que lhe conviesse, dispersar-se-ia a multidão em diversidade, caso também não houvesse algo cuidando do que pertence ao bem da multidão, assim como se corromperia o corpo do homem e de qualquer animal, se não existira alguma potência regedora comum, visando ao bem comum de todos os membros. Isso podendo, diz Salomão (Pr 11, 14): “Onde não há governante, dissipar-se-á o povo”. E, por certo, é razoável pois não são idênticos o próprio e o comum. O que é próprio divide, e o comum une. Aos diversos correspondem causas diversas. Assim, importa existir, além do que move ao bem particular de cada um, o que mova ao bem comum de muitos. Pelo que, em todas as coisas ordenadas se acha algum direito mais elevado. E, no mundo dos corpos, o primeiro corpo, isto é, o celeste, dirige os demais, por certa ordem da divina providência, e a todos os corpos os rege o corpo, e, entre as partes da alma, o irascível e o concupiscível são dirigidos pela razão. Também, entre os membros do corpo, um é o principal, que todos move, como o coração, ou a cabeça. Cumpre, por conseguinte, que, em toda multidão, haja um regente.

Assim como sucede em certas coisas ordenadas a um fim, andar direito ou não, também no governo da multidão se dá o reto e o não-reto. Uma coisa dirige-se retamente, quando vai para o fim conveniente; não-retamente, porém, quando vai para o fim não-conveniente. Um, porém, é o fim conveniente à multidão dos livres, e outros à dos escravos; como o livre é a sua própria causa, ao passo que o escravo, no que é, pertence a outrem. Se, pois, a multidão dos livres é ordenada pelo governante ao bem comum da multidão, o regime será reto e justo, como aos livres convém. Se, contudo, o governo se ordenar não ao bem comum da multidão, mas ao bem privado do governante, será injusto e perverso o governo. Dá ameaçar o Senhor tais governadores, por Ezequiel (34,2): “Ai dos pastores que a si mesmos se apascentavam (como procurando os seus próprios interesses) – porventura não são os rebanhos apascentados pelos pastores”. Em virtude, devem os pastores buscar o bem do rebanho e os governantes o bem da multidão a eles sujeita...forma parte do conceito de rei ser o que preside,o pastor que busca o bem comum da multidão e não o seu próprio.

SANTO TOMÁS DE AQUINO, De Regno (Do Regime dos Príncipes), II. 4–5. 7. Escrita aproximadamente no ano 1267.

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