terça-feira, 24 de novembro de 2009

Os traços históricos de uma convicção

Ao longo do século XIX e da primeira metade do século XX desenvolveram-se [na Igreja] movimentos de sacerdotes, [e sobretudo], leigos que irão exaltar a Cristo como Rei.

[...] Não se trata só de [manifestações de] devoção privada, mas de uma participação ontológica no Mistério de Cristo, do qual nasceram princípios de ação eclesial e social.

[...] Esta experiência inspirou uma atitude de [profunda] fidelidade à Igreja. Seus expoentes reagiram ao laicismo, ao galicanismo e ao jansenismo, dirigindo-se diretamente a Roma, precisamente num momento no qual o Papado [sofria] perseguição e era humilhado. [Reconhecimento da realeza de Cristo], devoção ao Sagrado Coração de Jesus e adesão filial ao Romano Pontífice exprimem-se como aspectos completamente unidos.

Impressiona a insistência com a qual os expoentes deste vasto movimento intervieram em todos os campos da vida pública, para que Cristo fora reconhecido como única fonte da dignidade [plena] da pessoa e dos povos.

Os monumentos e as basílicas dedicadas ao Sagrado Coração multiplicaram-se por toda a geografia "católica": a Basilique du Sacré Coeur de Montmartre, em Paris, solicitada [em 1873] pelos parlamentares da Terceira República; a Basílica del Voto Nacional, também chamada Catedral de la Consagración, em Quito, Equador, [ordenada pelo Governo Nacional em 1883]; o Templo Expiatorio Nacional del Sagrado Corazón de Jesús [hoje chamado Santuario Nacional de la Gran Promesa], de Madri em 1933, ou o Santuário da montanha do Cubilete, no México, onde os cristãos levantam um monumento a Cristo Rei em 1920, no meio duma violenta perseguição.

Ao [Concílio] Vaticano I chegaram inúmeras petições de consagração do mundo ao Sagrado Coração de Jesus [por exemplo, a do episcopado francês ou 700 mil assinaturas de Espanha]. A idéia recebeu acolhida da Santa Sé e foi difundida por toda parte. Será Leão XIII quem realize este gesto em 1899. Esta dimensão social da devoção ao Sagrado Coração está intimamente ligada à exaltação de Cristo Rei.

[...] Já Pio VII tinha projetado [entre 1800 e 1823] a criação duma espécie de ordem militar com a finalidade de fazer reinar a justiça e a religião, das que pudessem formar parte todos os homens de boa vontade, também os não católicos, que estariam subordinados ao Papa em quanto chefe da Igreja e vigário do Rei de reis e Dominador dos príncipes. Para o Pontífice só n'Ele, no Rei do céu, pode-se restaurar uma sociedade despedaçada.

É significativo que o primeiro esquema de De Ecclesia do [Concílio] Vaticano I, realizado entre 1869 e 1970, iniciara Cum Rex pacificus.

Muitos sacerdotes e leigos, tendo presente esta posição colocaram seu trabalho apostólico ao serviço do Reino de Cristo, como o jesuíta, Henri Ramière, [autor de O Reino de Jesus Cristo na historia, de 1863], co-fundador com o padre Francois-Xavier Gautrelet do movimento do Apostolado da Oração e da revista Le messager du Coeur de Jèsus.

[...] O Adveniat Regnum Tuum, converteu-se no lema de muitos fundadores de congregações religiosas como o padre Emanuel d'Alzon, fundador dos Agostinhos Assuncionistas; o padre Pietro Giuliano Eymard, fundador dos Sacerdotes do Santíssimo Sacramento e das Escravas do Santíssimo Sacramento; o padre Léon Dehon, fundador dos Sacerdotes do Sagrado Coração; o padre José Gras y Granollers, fundador das Filhas de Cristo Rei; e o pároco Pedro Legaria Armendáriz, fundador das Escravas de Cristo Rei. [Na fundação de suas obras exprimiam explicitamente o desejo de contribuir] ao Reinado Social de Cristo, ao Reino do Sagrado Coração.

Estes fundadores e seus movimentos foram muito além das instituições e das congregações religiosas nascidas deles; intervieram na vida pública; escrevem livros, fundam jornais e revistas, escolas, obras sociais, associações e confraternidades leigas. Usaram todos os meios a seu dispor para comunicar esta experiência. Reivindicaram a liberdade de ensino e de imprensa para os católicos, fundaram grupos de leigos dispostos a lutar por estar liberdades e de intervir nas questões sociais. Trabalharam em estreita relação uns com os outros. Fizeram-se amigos e ajudaram-se mutuamente [...] e todos exprimiram sua fidelidade ao Papa.

Este movimento nasceu da experiência do encontro com Cristo, e sublinhou o Mistério Eucarístico, a salvação oferecida a todos simbolizada no Coração Traspassado e a humanidade encarnada do Redentor.

Os gestos de consagração do mundo ao Coração de Jesus pretenderam ser uma confissão pública do fato de Cristo ser a origem e principio de tudo perante uma sociedade edificada numa mítica autonomia humana absoluta. Isto é afirmado na consagração da Bélgica ao Sagrado Coração, em 1869, e na de Equador, promovida pelo presidente Gabriel García Moreno, em 1873, quem pagará seu gesto com a morte [dois anos após].

[O missionário] Daniel Comboni consagra África ao Sagrado Coração de Jesus, em 1873, e ao Sagrado Coração de Maria, em 1875, precisamente na maior capital escravista de Oriente, a cidade de El Obeid. O ato de consagração, foi redigido pelo padre Ramière.

Leão XIII realizará o ato de consagração do gênero humano ao Sagrado Coração mediante as disposições da encíclica Annum sacrum, do 25 de maio de 1899. O caráter régio de Jesus se coloca de relevo na encíclica leonina. Cristo é o Rei do Universo, por direito de nascimento e por direito conquistado. Leão XII deseja que esta realeza seja reconhecida publicamente por todos os povos. Mulheres [contemporâneas suas] como a irmã Maria do Divino Coração (Maria Dröste zu Vischering), superiora do Recolhimento do Bom Pastor em Porto, Portugal, pediram o mesmo.

Nasceram nesse período os Congressos Eucarísticos Internacionais por meio de uma mulher, a senhora Emilie Tamisier, com ajuda de monsenhor Louis-Gaston de Ségur. O primeiro se celebrará em Lille, [ao norte da França], em 1880.

Alguns anos mais tarde, em pleno século XX, Pio XI ao instituir a festa [litúrgica] de Cristo Rei com a encíclica Quas Primas, do 11 de dezembro de 1925, exaltou a soberania universal de Cristo. Em 1928, na encíclica Miserentissimus reconhece e vincula a realidade de Cristo Rei ao Mistério de seu Coração Traspassado na Cruz.

[A devoção a Cristo Rei foi afirmada ao longo de todo o século XX com o sangue dos cristão que] gritando "Viva Cristo Rei" como derradeiras palavras foram martirizados nas múltiplas perseguições anti-católicas em diversos paises, e especialmente no México e na Espanha nos anos vinte e trinta, respectivamente.

FIDEL GONZÁLEZ, Los movimientos en la historia de la Iglesia, Madrí, 1999.
*
Pantocrátor del ábside de la iglesia de San Clemente de Tahull, detalhe, afresco de autor anônimo, Museu Nacional d'Art de Catalunya, Barcelona.

Sem comentários: