1. SOBRE O COMUNISMO. A doutrina comunista de modo muito mais acentuado que outros sistemas semelhantes do passado, apresenta-se sob a máscara de redenção dos humildes. É um pseudo-ideal de justiça, de igualdade e de fraternidade universal que impregna toda a sua doutrina e toda a sua atividade dum misticismo hipócrita, às multidões seduzidas por promessas falazes e como que estimuladas por um contágio violentíssimo lhes comunica um ardor e entusiasmo irreprimível, o que é muito mais fácil em nossos dias, em que a pouco eqüitativa repartição dos bens deste mundo dá como conseqüência a miséria anormal de muitos. Proclamam com orgulho e exaltam até esse pseudo-ideal, como se dele se tivesse originado o progresso econômico, o qual, quando em alguma parte é real, tem explicação em causas muito diversas, como, por exemplo, a intensificação da produção industrial, introduzida em regiões que antes nada disso possuíam, a valorização de enormes riquezas naturais, exploradas com imensos lucros, sem o menor respeito dos direitos humanos, o emprego enfim da coação brutal que dura e cruelmente força os operários a pesadíssimos trabalhos com um salário de miséria.
2. MATERIALISTA. Ora, esta doutrina sob aparências capciosas e sedutoras, funda-se de fato nos princípios do materialismo chamado dialético e histórico, ensinado por Karl Marx, de que os teóricos do bolchevismo se gloriam de possuir a única interpretação genuína. Essa doutrina proclama que não há mais que uma só realidade universal, a matéria, formada por forças cegas e ocultas, que, através da sua evolução natural, se vai transformando em planta, em animal, em homem. Do mesmo modo, a sociedade humana, dizem, não é outra coisa mais do que uma aparência ou forma da matéria, que vai evoluindo, como fica dito, e por uma necessidade inelutável e um perpétuo conflito de forças, vai pendendo para a síntese final: uma sociedade sem classes. É, pois, evidente que neste sistema não há lugar sequer para a idéia de Deus; é evidente que entre espírito e matéria, entre alma e corpo não há diferença alguma; que a alma não sobrevive depois da morte, nem há outra vida depois desta. Além disso, os comunistas, insistindo no método dialético do seu materialismo, pretendem que o conflito pode ser acelerado pelos homens. É por isso que se esforçam por tornarem mais agudos os antagonismos que surgem entre as várias classes da sociedade.
4. O LIBERALISMO PREPAROU SEU CAMINHO. Mas, para mais facilmente se compreender como é que puderam conseguir que tantos operários tenham abraçado, sem o menor exame, os seus sofismas, será conveniente recordar que os mesmos operários, em virtude dos princípios do liberalismo econômico, tinham sido lamentavelmente reduzidos ao abandono da religião e da moral cristã. Muitas vezes o trabalho por turnos impediu até que eles observassem os mais graves deveres religiosos dos dias festivos; não houve o cuidado de construir igrejas nas proximidades das fábricas, nem de facilitar a missão do sacerdote; antes pelo contrário, em vez de se lhes pôr embargo, cada dia mais e mais se foram favorecendo as manobras do chamado laicismo.
PAPA PIO XI, Divini Redemptoris, Nos. 8 - 10 e 16,
Roma, 19 de Março de 1937.
5. CONCEPÇÃO TOTALIZANTE. O pensamento de Marx constitui uma concepção totalizante do mundo, na qual numerosos dados de observação e análise descritiva são integrados numa estrutura folosófico-ideológica, que determina a significação e importância relativa que se lhes atribui. Os a priori ideológicos são pressupostos para a leitura da realidade social. Assim, a dissociação dos elementos heterogêneos que compõem este amalgama, epistemologicamente híbrido, torna-se impossível, de modo que, acreditando aceitar somente o que se apresenta como análise, se é forçado a aceitar, ao mesmo tempo, a ideologia.
A advertência de Paulo VI (na Octagesima adveniens de 1971) continua hoje plenamente atual: ..."seria ilusório e perigoso chegar ao ponto de esquecer o vínculo estreito que os liga radicalmente, aceitar elementos da análise marxista sem reconhecer suas relações com a ideologia, entrar na prática da luta de classes e de sua interpretação sem tentar perceber o tipo de sociedade totalitária à qual este processo conduz".
6. INCOMPATIBILIDADE. Desde as origens o pensamento marxista se diversificou, dando origem a diversas correntes que divergem consideravelmente entre si. Na medida, porém, em que se mantêm verdadeiramente marxistas, estas correntes continuam vinculadas a um certo número de teses fundamentais que não são compatíveis com a concepção cristã do homem e da sociedade.
7. LUTA DE CLASSES. Na lógica do pensamento marxista, a "análise" não é dissociável da práxis e da concepção da historia à qual esta práxis está ligada. A análise é, pois, um instrumento da crítica, e a crítica não passa de uma etapa do combate revolucionário. Este combate é o da classe do Proletariado investido de sua missão histórica. Em conseqüência, somente quem participa deste combate pode fazer uma análise correta.
A consciência verdadeira é, pois, uma consciência "partidarista". Pelo que se vê é a própria concepção de verdade que aqui está em causa e que se encontra totalmente subvertida: não existe verdade - afirma-se - a não ser na e pela práxis "partidarista".
A práxis e a verdade, que dela deriva, são partidaristas porque a estrutura fundamental da história está marcada pela luta de classes... A lei fundamental da história, que é a lei da luta de classes, implica que a sociedade esteja fundada sobre a violência. À violência, que constitui a relação de dominação dos ricos sobre os pobres, deverá responder a contraviolência revolucionária, mediante a qual esta relação será invertida. A luta de classes é, pois, apresentada como uma lei objetiva e necessária. Ao entrar nno seu processo, do lado dos oprimidos, "faz-se" a verdade, age-se "cientificamente"... A luta de classes assume um caráter de globalidade e de universalidade. Ela se reflete em todos os domínios da existência. Em relação a esta lei, nenhum destes domínios é autônomo.
CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Instrução Libertatis Nuntius,
Roma, 6 de Agosto de 1984.
Roma, 6 de Agosto de 1984.
8. INEFICÁCIA DO SISTEMA. Dentre os numerosos fatores que concorreram para a queda (do socialismo real) ... um é com certeza a ineficácia do sistema econômico, que não deve ser considerada apenas como um problema técnico, mas sobretudo como consequência da violação dos direitos humanos à iniciativa, à propriedade e à liberdade no setor da economia. A este aspecto, está ainda associada a dimensão cultural e nacional: não é possível compreender o homem, partindo unilateralmente do setor da economia, nem ele pode ser definido simplesmente com base na sua inserção de classe. A compreensão do homem torna-se mais exaustiva, se o virmos enquadrado na esfera da cultura, através da linguagem, da história e das posições que ele adota diante dos acontecimentos fundamentais da existência, tais como o nascimento, o amor, o trabalho, a morte. No centro de cada cultura, está o comportamento que o homem assume diante do mistério maior: o mistério de Deus. As culturas das diversas Nações constituem fundamentalmente modos diferentes de enfrentar a questão sobre o sentido da existência pessoal: quando esta questão é eliminada, corrompem-se a cultura e a vida moral das Nações. Por isso, a luta pela defesa do trabalho une-se espontaneamente a esta, a favor da cultura e dos direitos nacionais. A verdadeira causa das mudanças, porém, está no vazio espiritual provocado pelo ateísmo, que deixou as jovens gerações privadas de orientação e induziu-as em diversos casos, devido à irreprimível busca da própria identidade e do sentido da vida, a redescobrir as raízes religiosas da cultura das suas Nações e a própria Pessoa de Cristo, como resposta existencialmente adequada ao desejo de bem, de verdade, e de vida que mora no coração de cada homem. Esta procura encontrou guia e apoio no testemunho de quantos, em circunstâncias difíceis e até na perseguição, permaneceram fiéis a Deus. O marxismo tinha prometido desenraizar do coração do homem a necessidade de Deus, mas os resultados demonstram que não é possível consegui-lo sem desordenar o coração.
PAPA JÕAO PAULO II, Centesimus Annus, No. 23,
Roma, 1 de Maio de 1991.
Roma, 1 de Maio de 1991.
9. UMA CRÍTICA JUSTA. O século XIX não perdeu a sua fé no progresso como nova forma da esperança humana... Todavia a evolução sempre mais rápida do progresso técnico e a industrialização com ele relacionada criaram, bem depressa, uma situação social completamente nova: formou-se a classe dos trabalhadores da indústria e o chamado "proletariado industrial", cujas terríveis condições de vida foram ilustradas de modo impressionante por Frederico Engels, em 1845. Ao leitor, devia resultar claro que isto não pode continuar; é necessária uma mudança. Mas a mudança haveria de abalar e derrubar toda a estrutura da sociedade burguesa. Depois da revolução burguesa de 1789, tinha chegado a hora para uma nova revolução: a proletária. O progresso não podia limitar-se a avançar de forma linear e com pequenos passos. Urgia o salto revolucionário. Karl Marx recolheu este apelo do momento e, com vigor de linguagem e de pensamento, procurou iniciar este novo passo grande e, como supunha, definitivo da história rumo à salvação, rumo àquilo que Kant tinha qualificado como o "reino de Deus". Tendo-se diluída a verdade do além, tratar-se-ia agora de estabelecer a verdade de aquém. A crítica do céu transforma-se na crítica da terra, a crítica da teologia na crítica da política. O progresso rumo ao melhor, rumo ao mundo definitivamente bom, já não vem simplesmente da ciência, mas da política – de uma política pensada cientificamente, que sabe reconhecer a estrutura da história e da sociedade, indicando assim a estrada da revolução, da mudança de todas as coisas. Com pontual precisão, embora de forma unilateralmente parcial, Marx descreveu a situação do seu tempo e ilustrou, com grande capacidade analítica, as vias para a revolução. E não só teoricamente, pois com o partido comunista, nascido do Manifesto Comunista de 1848, também a iniciou concretamente. A sua promessa, graças à agudeza das análises e à clara indicação dos instrumentos para a mudança radical, fascinou e não cessa de fascinar ainda hoje. E a revolução deu-se, depois, na forma mais radical na Rússia.
10. SEU ERRO. Com a sua vitória, porém, tornou-se evidente também o erro fundamental de Marx. Ele indicou com exatidão o modo como realizar o derrubamento. Mas, não nos disse, como as coisas deveriam proceder depois. Ele supunha simplesmente que, com a expropriação da classe dominante, a queda do poder político e a socialização dos meios de produção, ter-se-ia realizado a Nova Jerusalém. Com efeito, então ficariam anuladas todas as contradições; o homem e o mundo haveriam finalmente de ver claro em si próprios. Então tudo poderia proceder espontaneamente pelo reto caminho, porque tudo pertenceria a todos e todos haviam de querer o melhor um para o outro. Assim, depois de cumprida a revolução, Lenin deu-se conta de que, nos escritos do mestre, não se achava qualquer indicação sobre o modo como proceder. É verdade que ele tinha falado da fase intermédia da ditadura do proletariado como de uma necessidade que, porém, num segundo momento ela mesma se demonstraria caduca. Esta "fase intermédia" conhecemo-la muito bem e sabemos também como depois evoluiu, não dando à luz o mundo sadio, mas deixando atrás de si uma destruição desoladora. Marx não falhou só ao deixar de idealizar os ordenamentos necessários para o mundo novo; com efeito, já não deveria haver mais necessidade deles. O fato de não dizer nada sobre isso é lógica consequência da sua perspectiva. O seu erro situa-se numa profundidade maior. Ele esqueceu que o homem permanece sempre homem. Esqueceu o homem e a sua liberdade. Esqueceu que a liberdade permanece sempre liberdade, inclusive para o mal. Pensava que, uma vez colocada em ordem a economia, tudo se arranjaria. O seu verdadeiro erro é o materialismo: de fato, o homem não é só o produto de condições econômicas nem se pode curá-lo apenas do exterior criando condições econômicas favoráveis.
PAPA BENTO XVI, Spe salvi, Nos. 20 e 21,
Roma, 30 de Novembro de 2007.
Roma, 30 de Novembro de 2007.
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