O texto, do atual ministro de Justiça, não representa a opinião do Nuec, porém, consideramos que é relevante para compreender a atuação de algumas esquerdas no poder na América Latina, e em especial, no Brasil.
Há muitos anos venho escrevendo a respeito dos dilemas que envolvem as ideologias da esquerda contemporânea e as amargas heranças das experiências socialistas do nosso tempo.
[...] Os nossos grandes fracassos estiveram ligados diretamente à implantação do "modo de produção socialista", que, segundo Marx, determinaria a socialização da riqueza e da abastança. Na vida real, essas experiências terminaram pervertendo-se em formas ditatoriais de redistribuir a pobreza. A consequência dessa redistribuição foi, por exemplo, o retorno ao capitalismo (URSS), a estagnação ditatorial (Coréia) ou o império da barbárie depois da queda (Afeganistão). O retorno ao capitalismo na antiga URSS resolveu os problemas das liberdades políticas, mas nenhum dos problemas sociais e de caráter nacional. Tornaram-se sociedades mais civilizadas e mais democráticas aquelas que realizaram um reformismo "forte", promovendo profundas transformações econômicas, culturais e no modo de vida dos cidadãos comuns.
As disputas que estão ocorrendo sobre os rumos do governo Lula estão relacionadas com o juízo sobre esses fracassos, que não são somente fracassos da "prática" socialista, mas também denunciam as limitações do aparato teórico que acompanhou o movimento socialista. Este combinava a visão do messianismo proletário, contida em algumas obras de Marx, com a simplificação maniqueísta da sua rica elaboração teórica. Esta, empobrecida tanto pelo marxismo soviético na sua visão stalinista, como pelo trotskismo rebelde, cujo aparato conceitual era também derivado do "leninismo".
Lênin, ao estudar melhor Hegel, já afirmara que preferia o idealismo inteligente ao materialismo burro. A designação, aliás, de uma "nova fase do marxismo" como "leninismo" foi feita pelo próprio Stálin, que a forjou, contra a visão do líder bolchevique. O nosso conflito hoje no partido, evidentemente, não é esse. Mas não pode deixar de ser qualificado como um conflito da parte minoritária do PT, que apresenta como "utilizável" -em diversos níveis- o velho legado bolchevique, com os que consideram-no superado, em diversas gradações (pela vida, pela economia, pelas novas formas de constituição da subjetividade social, mesmo no capitalismo turbinado da era Bush).
Passemos a exemplos concretos das nossas diferenças. O governo nega-se a criar condições políticas para o rompimento da vasta frente que elegeu Lula e modula cautelosamente os seus movimentos. Quer dar finalidade estratégica a essa frente, porque entende que qualquer movimento que o leve ao isolamento tanto pode promover o retrocesso, como favorecer o populismo, sempre à espreita, com as soluções mágicas e caudilhescas.
Nesse sentido, o partido se nega a ser "vanguardista", tipo bolchevique, para promover a aceleração da luta de interesses, mas quer conciliá-los através de um acordo com sentido policlassista. O objetivo é criar condições para enfrentar o domínio global do capitalismo especulativo, que desarma políticas econômicas, ataca moedas fracas e gera o caos e a instabilidade. Sem isso, qualquer projeto é impossível.
[...] Não é um partido que exacerba a luta de classes, porque essa exacerbação fragiliza o governo ante o domínio do capital financeiro globalizado: esta é a primeira e estratégica condição a ser assumida... Toda a esquerda, em escala mundial, está em processo de mudanças.
Tarso Genro, Esquerda em Processo, Petrópolis, 2004.
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