domingo, 16 de novembro de 2008

O Socialismo Liberal

Até a alguns anos, muito criticavam o uso da expressão “socialismo liberal” afirmando que são contraditórios.

Socialismo e liberalismo, se diz, são doutrinas contrapostas de modo que uma pessoa aproxima-se à primeira, ficando afastada no ato da segunda, e vice versa. Parecem separados por barreiras intransponíveis.

Porém, contraditório ou não, o socialismo liberal existe. Seja chamado com este nome ou não, há políticos que governam aplicando dentro de programas socialistas políticas liberais, tanto no campo econômico como o social.

Muitos destes políticos seguiram em alguma época ao socialismo ortodoxo, mas por diversas razões, nas últimas décadas do anos 80, foram abandonando as teses fundamentais do marxismo. Hoje, em muitos lugares, é freqüente que socialistas liberais e social-democratas atuam em conjunto e até sejam confundidos. Por exemplo, na Espanha e no Chile, onde o socialismo liberal coincide com aqueles setores que tem abraçado a renovação do socialismo.

[...] Entre os fatores que influíram na renovação do socialismo, naturalmente estão alguns de caráter histórico, como o descobrimento do autêntico rosto do “socialismo real” e a publicação de testemunhos como O Arquipélago Gulag. No plano intelectual, influiu a leitura de Antônio Gramsci, que permitiu observar a importância da cultura nos processos de transformação e motivou um afastamento das formas clássicas.

O caso protótipo do socialismo liberal é o espanhol, nele os traços deste socialismo encontram-se especialmente nítidos e, inclusive, exagerados. Para que o socialismo tenha futuro, segundo seus renovadores, deve assentar-se sobre novas bases: um utopismo racional, um igualitarismo mais político do que econômico, no qual o poder estatal contrabalance as desigualdades criadas pela adoção da economia de mercado, e uma democratização total da sociedade submetendo ao princípio democrático que até então estavam reservados à discricionalidade privada.

A aceitação da economia de mercado é uma nota distintiva da renovação socialista, separando-a das suas raízes marxistas, parecendo haver um acordo geral de aplicar a única economia que parece ser viável e ter sucesso, ainda que se argumente que esta aplicação seja feita com critérios técnicos, pelo que não haveria contradição ideológica.

O aprofundamento da idéia e da lógica democrática a todos os âmbitos da vida, é outra nota distintiva, na qual os socialistas liberais tem recebido uma importante influência da Escola de Frankfurt, e em especial de Jürgen Habermas, assim como de outras correntes de índole consensualistas.

[...] A relevância dada à cultura será sua quarta nota característica. Seguindo a Gramsci, na tarefa de conseguir a hegemonia cultural joga um papel fundamental, mas este deixa de ser um homem dedicado ao pensamento e passa a ser um livre-opinador, com uma ativa presença na mídia, na qual ele assume o papel de novo magistério, adequado para uma sociedade secularizada... A arte adquire um relevo especial, pois cobre de alguma maneira o oco que deixa a religião.

Os socialistas liberais fazem sua também uma tese que tem chegado a ser um chavão na filosofia política do século XX, autores como Kelse, Ross e Bobbio, tem sustentado que a democracia fundamenta-se no relativismo dos valores. Pelo contrário, qualquer pretensão de alcançar princípios e valores de caráter absoluto leva em si o perigo de adotar posturas políticas totalitárias, ou ao menos autoritárias. Abre-se caminho para o império do relativismo. O socialismo liberal, com seu hedonismo individualista e igualitário, corresponde notavelmente à caracterização do despotismo democrático que fez Aléxis de Tocqueville em A Democracia na América.

JOAQUIN GARCÍA HUIDOBRO, trecho da conferencia La Propuesta del Socialismo Liberal, no VI Congresso Interamericano de Historia, Cidade do México, 1992.

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