domingo, 16 de novembro de 2008

Antes de Marx

Karl Marx (1818-1883) se encontra na origem de um gigantesco processo histórico que durou até nossos dias e que vai se extinguindo a partir da implosão, em 1991, da União Soviética. Hoje, ao menos no Ocidente, o marxismo começa a ser evocado como algo anacrônico. No entanto, não se pode negar que pensamos a sociedade de uma maneira diferentes antes e depois de Marx. Ele foi autor de uma denúncia certa para cuja solução ele propunha um resposta errada. Denunciou a iniqüidade do capitalismo original, que só poderia ser solucionada pela luta de classes. Poucos se lembram contudo que Karl Marx não foi um começo absoluto na crítica da sociedade.

[...] Hoje, estou convencido de que a crítica do capitalismo como sistema global já se consumara, antes da publicação do Manifesto do Partido Comunista, em 1848. Todos os pontos vulneráveis do modelo tinham sido denunciados com clareza inequívoca, pelo catolicismo social. Muitos elementos integrados por Marx em sua síntese, como dados originais, de fato ele os encontrou elaborados numa corrente de pensamentos que inundara o espaço cultural europeu. Antes de Marx, pensadores cristãos já conheciam o mecanismo da plus-valia e tinham descoberto no processo espoliador do capitalismo, a causa secreta da questão social. Até expressões habitualmente atribuídas a Marx, como a “exploração do homem pelo homem”, são encontradas ipsis litteris, na tradição pré-marxista.

[...] Félicité-Robert de la Mennais, por exemplo, viu com nitidez os impactos sociais do processo da industrialização que nascia sob o signo do capitalismo... viu tão claro a iniqüidade a que era reduzido a proletário, que o comparou ao antigo escravo... pressentiu o efeito alienante da produção capitalista, onde "homem é esvaziado de sua personalidade", sua exclamação "Povo, ó povo, desperta em fim! escravos, levantai-vos, rompei vossos grilhões, não permitais que por mais tempo seja ultrajado o vosso nome de seres humanos" evoca de modo impressionante o apelo a uma movilização geral, que finaliza o Manifesto.

[...] Entre outros, Philippe Olympe Gerbet percebeu as contradições internas da sociedade burguesa, as quais, se não fossem superadas dentro do espírito cristão, haveriam de conduzir àquilo que Marx chamaria umpouco mais tarde de luta de classes... Louis René Villermé soube apresentar-nos nos seus escritos uma das fontes mais preciosas da história socieconômica dos inicios da revolução industrial... sugere proibir o trabalho a menores de 8 anos e a adoção do sistema de escolaridade compulsoria, que depois Marx havería introduzir nas reivindicações básicas do Manifesto... Charles Forbes de Montalembert pede impedir e punir o emprego abusivo da mão de obra inantil... Charles de Coux foi provavelmente o primeiro escritor e economista a usar o termo "mudança social", como categoria sociológica... e viu também, antes de Marx, quanto a mudança social é condicionada pela evolução do sistéma económico.

FERNANDO BASTOS DE ÁVILA, Antes de Marx: As Raízes do Humanismo Cristão,
Rio de Janeiro, 2002.

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