domingo, 16 de novembro de 2008

Deus não faz pobres


Habituados até agora a considerar unicamente o interesse temporal no governo dos homens, os políticos só procuram as causas da miséria na desordem material. Formaram-se assim duas escolas que reproduziram todo o problema social à produção ou à distribuição das riquezas. De um lado, para a antiga escola dos economistas, a maior catástrofe social é uma produção insuficiente e a única solução é acelerá-la, multiplicá-la, através de uma concorrência ilimitada; não há outra lei do trabalho além do interesse pessoal, que é o mais insaciável tirano. De outro lado, a escola dos socialistas modernos vê toda a raiz do mal numa distribuição viciosa dos bens e crê salvar a sociedade suprimindo a concorrência, fazendo da organização do trabalho uma prisão destinada a alimentar seus prisioneiros e ensinando ao povo a aceitar a barganha de sua liberdade pela certeza do pão e a promessa do prazer.

Esses dois sistemas, por caminhos diversos, chegam ao mesmo materialismo. Um reduz o destino humano a produzir; outro, a gozar. Não sabemos se temos mais horror daqueles que humilham os pobres, os operários, a ponto de transformá-los em instrumentos da fortuna dos ricos, do que daqueles que os corrompem até lhes inocular as paixões dos maus ricos.

[...] Deus não faz pobres, não envia criaturas humanas às contingências desse mundo, sem as prover de duas riquezas que são as fontes das demais: a inteligência e a vontade. As riquezas morais tanto são a origem de todas as outras que as coisas materiais só se transformam em riquezas quando atingidas pela inteligência que as elabora e pela vontade que as utiliza... Por que pois pretender esconder ao povo aquilo que ele está farto de saber? Por que querer lisonjeá-lo, como se fazia com os tiranos?

É a liberdade humana que faz os pobres. É ela que seca essas duas fontes primitivas de toda riqueza, a inteligência e a vontade, deixando a primeira se extinguir na ignorância e a segunda se extenuar na devassidão.

ANTOINE FRÉDÉRIC OZANAM, trecho de artigo publicado L'Ere Nouvelle,
Paris, outubro de 1848.

Sem comentários: