segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

O último estágio que tal vez não esteja longe...

“A conquista da Natureza pelo Homem” é uma expressão utilizada habitualmente para descrever o progresso das ciências aplicadas... mas, em que sentido o Homem possui um poder crescente sobre a natureza?

[...] Aquilo que chamamos poder do Homem é, na realidade, um poder que alguns homens possuem, e que por sua vez podem ou não delegar ao resto dos homens... é um poder exercido por alguns homens sobre outros, com o controle de certos aspectos da Natureza como instrumento.

[...] É um lugar comum reclamar que os homens tem usado erroneamente e contra seus próprios congêneres o poder que a ciência lhes outorgou. Mas não é isso o que quero demonstrar aqui. Não me refiro a abusos ou degradações particulares que pudessem ser sanados por um aperfeiçoamento da virtude moral; estou tratando daquilo que sempre e essencialmente será aquilo que chamamos de “o poder do Homem sobre a Natureza”.

[...] A conquista da Natureza pelo Homem, caso se realizem os sonhos de alguns cientistas planejadores, significaria que algumas centenas de homens estariam governando os destinos de bilhões e bilhões... cada novo poder conquistado pelo homem é da mesma forma um poder sobre o homem. Cada avanço o deixa mais fraco, ao mesmo tempo que mais forte. Em toda vitória, o homem é ao mesmo tempo o general que triunfa e o escravo que segue o carro dos vencedores.

Ainda não estou considerando se o resultado de tais vitórias ambivalentes é algo bom o mau. Estou apenas esclarecendo o que verdadeiramente significa a conquista da Natureza e, especialmente, qual é o seu último estágio (que talvez não esteja longe). O último estágio virá quando, mediante a eugenia, a manipulação pré-natal e uma educação e propaganda baseadas numa perfeita psicologia aplicada, o Homem alcançar um completo domínio sobre si mesmo. A natureza humana será a última parte da Natureza a se render ante o Homem. A batalha estará então vencida. Teremos “arrancado o fio da vida das mãos de Cloto”... Mas, quem exatamente terá vencido?

Pois o poder do Homem para fazer de si mesmo o que bem quiser, significa, conforme vimos, o poder de alguns homens para fazer dos outros o que bem quiserem. Não há duvida de que sempre, ao longo da história, a educação e a cultura, de algum modo, pretenderam exercer tal poder. Mas a situação para a qual voltamos nossas atenções é inusitada em dois aspectos.

Em primeiro lugar, o poder estará enormemente hipertrofiado... Os projetistas de homens destes novos tempos estarão armados com os poderes de um Estado onicompetente e uma irresistível tecnologia científica: obteremos finalmente uma raça de manipuladores que poderão, verdadeiramente, esculpir toda a posteridade a seu bel-prazer.

A segunda diferença é ainda mais importante. Nos sistemas antigos, tanto o tipo de homem que os educadores pretendiam produzir quanto seus motivos para fazê-lo estavam prescritos pelo (que aqui chamamos) Tao (o seja, uma doutrina do valor objetivo, a convicção de que certas posturas são realmente verdadeiras, e outras realmente falsas, a respeito do que é o universo e do que somos nós, quer dizer, uma ordem natural)... Não reduziam os homem a um esquema por eles estabelecido. Transmitiam o que tinham recebido... Mas isso vai mudar. Os valores são agora meros fenômenos naturais... Os Manipuladores sabem como produzir a consciência e decidem qual tipo de consciência irão produzir... A última vitória foi obtida... Os Manipuladores estarão em condição de escolher que tipo artificial de Tao irão impor à raça humana, segundo as razões que lhes convierem.

[... Os Manipuladores] são homens que sacrificam sua porção de humanidade tradicional a fim de dedicar-se à tarefa de decidir o que “Humanidade” deve significar a partir de agora... Não que eles sejam homens maus. Eles não são homens em absoluto. Saindo do Tao, eles caíram no vazio. Nem os objetos do condicionamento dos Manipuladores serão homens infelizes. Eles não são homens em absoluto. A conquista final do homem mostrou-se a abolição do Homem.

[...] Só há duas possibilidades: ou somos espíritos racionais obrigados para sempre a obedecer aos valores absolutos do Tao, ou então não passamos de mera natureza a ser manuseada e esculpida em novas formas para o deleite dos mestres, que por sua vez serão motivados unicamente por seus impulsos “naturais”. Somente o Tao é capaz de promover uma lei de ação humana comum que possa abarcar legisladores e legislados igualmente.

Uma crença dogmática em valores objetivos é necessária para a própria idéia de uma regra que não seja tirânica ou de uma obediência que não seja servil.

[...] No próprio Tao, desde que permaneçamos dentro dele, encontramos a realidade concreta cuja participação nos torna verdadeiramente humanos: a verdadeira vontade comum e razão comum da humanidade, vivas e crescendo como uma árvore, ramificando-se conforme variam as situações, encontrando novas aplicações, sempre mais belas e dignas.

CLIVE STAPLES LEWIS, A Abolição do Homem, Oxford, 1943.

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