segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Lewis: O mais relutante dos Convertidos

Um dos maiores e mais influentes autores cristãos do século passado, professor de Literatura Medieval e Renascentista em Cambridge e Oxford, Clive Staples Lewis nasceu a 29 de novembro de 1898 em Belfast, na Irlanda do Norte.

Filho de um advogado e da filha de um pastor presbiteriano, herdou daquele a sensibilidade romântica e a tendência imaginativa, e desta o senso prático, a lucidez e a ironia. Criado no campo, na companhia de um irmão três anos mais velho, C. S. Lewis – ou "Jack", como também era chamado pelos familiares – sentia-se mais à vontade na biblioteca da casa, no ambiente dos velhos livros, das idéias e da fantasia, do que no mundo "lá fora", onde corria o agitado e tecnológico século XX. Data desta época a paixão pela mitologia nórdica e grega e pelos autores de ficção, sobretudo os clássicos da literatura inglesa.

Aos dez anos, perdeu a mãe, vítima de câncer, e se refugiou na escrita de ficção e na leitura dos clássicos. Foi assim que, segundo o próprio Lewis, a tranqüilidade e a segurança dos anos felizes que vivera até então desapareceram. Enviado a estudar numa escola pública na Inglaterra, Lewis passou ali os mais infelizes e solitários anos de sua vida. Aos 15 anos voltou para casa, sendo educado por um tutor particular, a quem dedicou um capítulo inteiro de sua autobiografia Surprised by the Joy ("Surpreendido pela Alegria"). Imenso era o contraste entre seu pai, sempre ocupado e pouco dedicado à família, e seu tutor, que de fato queria ouvir o que o jovem Lewis tinha a lhe dizer. A partir daí viriam anos mais felizes e a sua formação intelectual propriamente dita, para a qual muito contribuiu o rigor analítico ensinado pelo tutor, um pensador lúcido e grande conhecedor de Filosofia. Não demorou muito, também, para que o jovem "Jack" perdesse, sob influência do professor ateu, a fé protestante recebida na infância. Daí em diante sua vida pode ser vista como a busca pelo que ele chamou de "alegria" (joy) e pela segurança perdidas, as quais Lewis iria encontrar somente na fé cristã, abraçada anos mais tarde, depois de uma longa peregrinação pelo materialismo de Marx, pela psicanálise de Freud e pelo evolucionismo de Darwin.

Em 1917 Lewis foi convocado para I Guerra, mas, tendo-se ferido com uma granada, recebeu dispensa e pôde retomar os estudos em Oxford, onde ingressara no ano anterior para estudar Clássicos, Literatura Inglesa e Filosofia. Um episódio interessante ocorre neste período: C. S. Lewis faz um pacto com Paddy Moore, companheiro de guerra, o qual estabelecia que no caso de morte de um dos dois o outro teria o dever de cuidar dos parentes do falecido. O amigo morreu e Lewis cumpriu a promessa fielmente, chegando a adotar a mãe de Moore, uma mulher de temperamento tirânico e anti-social, como se fosse a sua própria. E o fez até o último instante, quando a Sra. Moore morreu com sinais de insanidade.

Em sua saga até ao Cristianismo, fundamental foram, por um lado, a descoberta do pensamento de G. K. Chesterton e George MacDonald, a quem "Jack" se referia como "os mestres que me ensinaram o Cristianismo", e, por outro, a amizade com J. R. R Tolkien, Owen Barfield e Hugh Dyson, colegas na universidade com quem compartilhava o interesse pela mitologia nórdica, e membros de um grupo informal de amigos da literatura, os Inklings. Mas deixemos que o próprio Lewis descreva os movimentos finais que antecederam sua conversão:

"Os leitores devem imaginar-me sozinho no meu quarto em Magdalen, noite após noite, a sentir a aproximação contínua e impiedosa d'Aquele que eu desejara tão a sério não encontrar nunca. Aquilo que eu mais temia estava-me alcançando por fim. Durante o trimestre escolar da Trindade de 1929, eu me rendi, admiti que Deus era Deus, ajoelhei-me e rezei: talvez fosse, naquela noite, o convertido mais desanimado e relutante de toda a Inglaterra."

Faltava ainda passar da crença em Deus à crença em Jesus Cristo. O salto definitivo foi dado após uma longa conversa com Tolkien e Dyson, em que os amigos o fizeram entender que todos os mitos antigos que eles tanto admiravam nada mais eram que prefigurações confusas do único "mito" que realmente havia acontecido: a encarnação do Verbo.

Após longo silêncio e amadurecimento intelectual, C. S. Lewis começou a escrever as obras que o tornaram um dos apologistas cristãos mais populares de sua época, clássicos como The Screwtape Letters ("Cartas de um Diabo a seu Aprendiz"), Mere Christianity ("Cristianismo Puro e Simples"), The Abolition of Man ("A Abolição do Homem"). Além da popular série de livros infanto-juvenis "As Crônicas de Nárnia", escreveu também uma trilogia de ficção científica: Out of the Silent Planet ("Para além do Planeta Silencioso"), Perelandra e That Hideous Strength ("Aquela força medonha").

O "apóstolo dos céticos", como também era conhecido o prolífico escritor, passou a ser convidado para dar palestras em empresas e rádios, tanto na Inglaterra como nos Estados Unidos. Sua obra Mero Cristianismo (1952), por exemplo, nasceu de uma série de conferências concedidas a uma rádio inglesa. Três anos após esta publicação, era lançada a sua autobiografia espiritual, Surprised by the Joy.

Em 1956 Lewis casou-se no civil com a poetisa americana Joy Davidman Gresham, que ele conhecera quatro anos antes, a fim de evitar que ela fosse deportada como imigrante ilegal e membro do partido comunista nos Estados Unidos (era o tempo do macartismo). Joy se convertera do comunismo ao cristianismo através da obra de Lewis e os dois se corresponderam longamente antes de se conhecerem pessoalmente. No mesmo ano de 56, tendo o autor britânico se apaixonado por Gresham, deu-se o casamento religioso, de acordo com os ritos da Igreja Anglicana (Lewis pertencia à High Church, ala do anglicanismo mais próxima ao catolicismo). O caso todo, ressaltando-se o fato de Joy Gresham ter-se casado com câncer, o sofrimento que enfrentou e sua morte, ocorrida alguns meses depois, virou tema do livro A Grief Observed ("Uma Dor Observada"), que deu origem ao belíssimo filme Shadowlands ("Terra das Sombras"), dirigido por Richard Attenborough e que tem Anthony Hopkins no papel de C. S. Lewis e Debra Winger como Joy Gresham.

Para resumir, segundo Owen Barfield, existiram três "C. S. Lewises", cada um dos quais cumpriu uma vocação específica: primeiro, o "scholar" e crítico literário de Oxford e Cambridge; segundo, o renomado autor de livros infanto-juvenis e de ficção científica; terceiro, o famoso divulgador e apologista do Cristianismo, tão popular que mereceu a alcunha de "Elvis Presley do Cristianismo".

Perguntado certa vez sobre qual das religiões do mundo traria mais felicidade a seus adeptos, Lewis respondeu com sua costumeira ironia: "Enquanto dura, a religião da auto-adoração é a melhor." E mais adiante arrematou: "Como vocês talvez saibam, não fui sempre cristão. Não me tornei religioso em busca da felicidade. Eu sempre soube que uma garrafa de vinho do Porto me daria isso. Se você quiser uma religião que te faça feliz, eu não recomendo o cristianismo. Tenho certeza que deve haver algum produto americano no mercado que lhe será de maior utilidade, mas não tenho como ajudá-lo nisso."

Além da ironia, uma das notas características da escrita de C. S. Lewis é a sinceridade: lendo-o, temos a nítida impressão de que não estamos sendo passados para trás. Sabemos que o autor tudo examinou e tudo confrontou antes de escrever cada frase; nada do que é humano lhe é estranho. Acrescente-se a isso a sua singular capacidade de explicar conceitos teológicos e filosóficos complexos recorrendo a metáforas simples e claras. Não há desperdício de palavras e cada uma delas é usada muito conscienciosamente; ficam de fora os subterfúgios e as ambigüidades.

A imaginação, por sua vez, é também um dos principais aspectos da obra lewisiana. Além de empregar constantemente alegorias cristãs, como se vê claramente n'As Crônicas de Nárnia, deve-se ressaltar que C. S. Lewis tem o raro dom de saber explicar os conceitos mais difíceis fazendo uso das analogias mais simples e apropriadas. E isto, por fim, seria impossível se ele não tivesse bebido abundantemente na literatura inglesa e na mitologia grega e nórdica.

Nota biográfica preparada por Davi James Dias, membro do nuec,
Belo Horizonte, Fevereiro de 2009

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