Podemos dizer que até o final da Idade Média as sociedades (...) identificavam como origem, destino e ideal do caminho a algo maior: Deus. A variedade dos fatores que constituem a personalidade e a convivência humana tendiam a uma unidade, tendiam a compor-se e a realizar-se em uma unidade, assegurando, dessa forma, uma concepção não-fragmentada da pessoa e, conseqüentemente, do cosmo e da história. O empenho ideal que caracteriza a Idade Média propunha a figura do santo como imagem exemplar da personalidade humana: uma figura de homem que tinha realizado a unidade de si mesmo com o seu destino. A grande mudança (vinda com a modernidade) é a fragmentação dessa unidade e dessa figura de homem.
[...] A santidade como ideal do homem projetava-o na direção de algo maior que ele e, nesta tendência rumo a um outro, a perfeição era, evidentemente, a unidade de todos os fatores humanos em Deus. Se o nexo com aquilo que é maior que o homem é cancelado, a perfeição como totalidade de fatores não pode existir, não é mais concebível. O que pode existir, então, é uma performance particular em um ou outro campo, uma capacidade particular neste ou naquele campo da expressividade humana. Desse ponto em diante, a ordem da cultura que passa a influenciar a sociedade é como que partida em pedaços numa parcialidade de enfoques. O ideal medieval da santidade é substituído (...) pelo Divo: não mais Deus em quem tudo deve confluir numa unidade harmônica, mas o Divo , o ídolo, o homem capaz que conta com suas próprias forças.
Toda esta parcialidade, esta ausência de unidade caracterizará o fio da cultura moderna, de seu pensamento e, conseqüentemente, de sua práxis (...) O Divo substitui Deus hoje.
[...] Mas nem mesmo nesta idéia nova de homem, entendido de modo inteiramente autônomo e capaz de realizar-se a si mesmo e a seus próprios projetos, deus é necessariamente eliminado. O que acontece é muito mais sutil, e foi muito bem sintetizado por Cornélio Fabro: “Deus, se existe, não interessa”, Deus não interessa para o homem concreto, para os seus interesses, para os seus problemas. Nesse campo, o homem é a medida de si mesmo, senhor de si mesmo, fonte da criação do projeto e da energia concreta para sua realização, incluindo a diretriz ética que isso implica.
Portanto, no âmbito dos problemas humanos, Deus, se existe, é como se não existisse. Realiza-se, assim, a divisão entre o sagrado e o profano, como se pudesse existir alguma coisa fora do "templo" de Deus que é o cosmo inteiro.
Assim, na medida que o racionalismo, através do poder político –depois da Revolução Francesa– assume definitivamente aquele divisão, ela se torna lentamente lugar-comum dos homens de saber, determinar o clima cultural, torna-se cultura dominante. A partir daí, através, inclusive, da educação estatal, depois de séculos, esta postura penetra o coração e a mente de todo o povo, tornado-se mentalidade social.
Quanto mais essa mentalidade se dilata, mais Deus se torna distantee não é tolerado se pretende intervir no destino do qual o homem se considera dono.
O termo com o qual se designa esta concepção, enquanto mentalidade social que se estabelece através de uma influência cultural que se tornou dominante por meio do poder e da educação pública, é laicismo. Ele é “a profissão de pertença do homem a si mesmo e basta” (Cornélio Fabro), é a presunção de uma autonomia total por parte do homem.
Ele é a causa da profunda dificuldade na qual a consciência religiosa se encontra hoje. Um deus que não tenha nada a ver com a vida é um Deus, no mínimo, inútil. Portanto, quanto mais um homem é ativo, interessado pela vida e nela empenhado, tanto mais sentiria estar perdendo tempo se parasse a fim de considerar um Deus assim. Deus se reduz a uma opção mais ou menos privada, a um patético conforto psicológico, a uma peça de museus. Para um homem que experimentasse febrilmente a brevidade do tempo e as muitas tarefas a realizar, aquele Deus não só é inútil mas também prejudicial, é o “ópio do povo”. Uma sociedade moldada por semelhante mentalidade pode não ser formalmente atéia, mas é de fato.
Um Deus assim não só é inútil e prejudicial como também não é Deus. Um deus que não interessa à atividade do homem, à sua construção, ao seu caminho rumo ao destino, constitui, na melhor das hipóteses, um desperdício de tempo e, em última análise, é com certeza algo a ser evitado, eliminado. A fórmula “Deus, se existe, não interessa” conduz coerentemente à conclusão “Deus não existe” .
A meu ver, o verdadeiro inimigo de uma religiosidade autêntica não é tanto o ateísmo, mas este laicismo: um ámbito sacro que não penetre no campo concreto dos interesses cotidianos do homem torna a relação com Deus concebível somente como totalmente subjetiva. A realidade humana continua com seus problemas e suas preocupações, à mercê dos critérios do homem, facilmente determinável, na prática, pelo poder.
Os valores fundamentais que a passagem para a época moderna, iluminista e secularizada, abalou e deturpou em relação à tradição cultural cristã são, antes de mais nada... uma redução do conceito de razão, (depois) uma segunda redução é operada sobre a imagem liberdade, (e, logo) uma terceira mudança profunda é operada na idéia de consciência.
[...] A santidade como ideal do homem projetava-o na direção de algo maior que ele e, nesta tendência rumo a um outro, a perfeição era, evidentemente, a unidade de todos os fatores humanos em Deus. Se o nexo com aquilo que é maior que o homem é cancelado, a perfeição como totalidade de fatores não pode existir, não é mais concebível. O que pode existir, então, é uma performance particular em um ou outro campo, uma capacidade particular neste ou naquele campo da expressividade humana. Desse ponto em diante, a ordem da cultura que passa a influenciar a sociedade é como que partida em pedaços numa parcialidade de enfoques. O ideal medieval da santidade é substituído (...) pelo Divo: não mais Deus em quem tudo deve confluir numa unidade harmônica, mas o Divo , o ídolo, o homem capaz que conta com suas próprias forças.
Toda esta parcialidade, esta ausência de unidade caracterizará o fio da cultura moderna, de seu pensamento e, conseqüentemente, de sua práxis (...) O Divo substitui Deus hoje.
[...] Mas nem mesmo nesta idéia nova de homem, entendido de modo inteiramente autônomo e capaz de realizar-se a si mesmo e a seus próprios projetos, deus é necessariamente eliminado. O que acontece é muito mais sutil, e foi muito bem sintetizado por Cornélio Fabro: “Deus, se existe, não interessa”, Deus não interessa para o homem concreto, para os seus interesses, para os seus problemas. Nesse campo, o homem é a medida de si mesmo, senhor de si mesmo, fonte da criação do projeto e da energia concreta para sua realização, incluindo a diretriz ética que isso implica.
Portanto, no âmbito dos problemas humanos, Deus, se existe, é como se não existisse. Realiza-se, assim, a divisão entre o sagrado e o profano, como se pudesse existir alguma coisa fora do "templo" de Deus que é o cosmo inteiro.
Assim, na medida que o racionalismo, através do poder político –depois da Revolução Francesa– assume definitivamente aquele divisão, ela se torna lentamente lugar-comum dos homens de saber, determinar o clima cultural, torna-se cultura dominante. A partir daí, através, inclusive, da educação estatal, depois de séculos, esta postura penetra o coração e a mente de todo o povo, tornado-se mentalidade social.
Quanto mais essa mentalidade se dilata, mais Deus se torna distantee não é tolerado se pretende intervir no destino do qual o homem se considera dono.
O termo com o qual se designa esta concepção, enquanto mentalidade social que se estabelece através de uma influência cultural que se tornou dominante por meio do poder e da educação pública, é laicismo. Ele é “a profissão de pertença do homem a si mesmo e basta” (Cornélio Fabro), é a presunção de uma autonomia total por parte do homem.
Ele é a causa da profunda dificuldade na qual a consciência religiosa se encontra hoje. Um deus que não tenha nada a ver com a vida é um Deus, no mínimo, inútil. Portanto, quanto mais um homem é ativo, interessado pela vida e nela empenhado, tanto mais sentiria estar perdendo tempo se parasse a fim de considerar um Deus assim. Deus se reduz a uma opção mais ou menos privada, a um patético conforto psicológico, a uma peça de museus. Para um homem que experimentasse febrilmente a brevidade do tempo e as muitas tarefas a realizar, aquele Deus não só é inútil mas também prejudicial, é o “ópio do povo”. Uma sociedade moldada por semelhante mentalidade pode não ser formalmente atéia, mas é de fato.
Um Deus assim não só é inútil e prejudicial como também não é Deus. Um deus que não interessa à atividade do homem, à sua construção, ao seu caminho rumo ao destino, constitui, na melhor das hipóteses, um desperdício de tempo e, em última análise, é com certeza algo a ser evitado, eliminado. A fórmula “Deus, se existe, não interessa” conduz coerentemente à conclusão “Deus não existe” .
A meu ver, o verdadeiro inimigo de uma religiosidade autêntica não é tanto o ateísmo, mas este laicismo: um ámbito sacro que não penetre no campo concreto dos interesses cotidianos do homem torna a relação com Deus concebível somente como totalmente subjetiva. A realidade humana continua com seus problemas e suas preocupações, à mercê dos critérios do homem, facilmente determinável, na prática, pelo poder.
Os valores fundamentais que a passagem para a época moderna, iluminista e secularizada, abalou e deturpou em relação à tradição cultural cristã são, antes de mais nada... uma redução do conceito de razão, (depois) uma segunda redução é operada sobre a imagem liberdade, (e, logo) uma terceira mudança profunda é operada na idéia de consciência.
LUIGI GIUSSANI, A Consciência Religiosa no Homem Moderno, Milão, 1985.
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