Agora já se disse tudo o que estava relacionado à natureza da Terra e seus governantes no início dos tempos, e antes que o mundo se tornasse tal como os filhos de Ilúvatar [Deus] o conheceram. Pois elfos e homens são os filhos de Ilúvatar; e, como os Ainur [anjos] não entendessem plenamente o tema através do qual os filhos entraram na música, nenhum Ainu ousou acrescentar nada de seu próprio alvitre. Motivo pelo qual os Valar estão para essas famílias mais como antepassados e chefes do que como senhores. E, se algum dia no seu trato com elfos e homens, os Ainur tentaram forçá-los quando eles não queriam ser orientados, raramente o resultado foi bom, por melhor que fossem as intenções. As relações dos Ainur na realidade se deram principalmente com os elfos, pois Ilúvatar os fez mais parecidos com os Ainur, embora inferiores em poder e em estatura; enquanto aos homens conferiu dons estranhos.
Pois diz-se que, depois da partida dos Valar, houve silêncio, e, por uma eternidade, Ilúvatar permaneceu sentado, meditando. Falou ele então e disse: - Olhem, eu amo a Terra, que será uma mansão para os quendi [elfos] e os atani [homens]! Mas os quendi serão as mais belas criaturas da Terra; e irão ter, conceber e produzir maior beleza do que todos os meus Filhos; e terão a maior felicidade neste mundo. Já aos atani concederei um novo dom. Ele, assim, determinou que os corações dos homens sempre buscassem algo fora do mundo e que nele não encontrassem descanso; mas que tivessem capacidade de moldar sua vida, em meio aos poderes e aos acasos do mundo, fora do alcance da música dos Ainur, que é como que o destino de todas as outras coisas; e por meio de sua atuação tudo deveria, em forma e de fato, ser completado; e o mundo seria concluído até o último e mais ínfimo detalhe.
Ilúvatar sabia, porém, que os homens, colocados em meio ao torvelinho dos poderes do mundo, se afastariam com freqüência do caminho e não usariam seus dons em harmonia; e disse: - Esses também, no seu tempo, descobrirão que tudo o que fazem resulta no final em glória para minha obra.
[...] Inclui-se, neste dom de liberdade, que os filhos dos homens permaneçam vivos por um curto intervalo no mundo, não sendo presos a ele, e partam logo, para onde, os elfos não sabem. Ao passo que os elfos ficam até o final dos tempos, e seu amor pela Terra e por todo o mundo é mais exclusivo e intenso por esse motivo e, com o passar dos anos, cada vez mais cheio de tristezas. Pois os elfos não morrem enquanto o mundo não morrer, a menos que sejam assassinados ou que definhem de dor (e a essas duas mortes aparentes eles estão sujeitos); nem a idade reduz a sua força, a menos que estejam fartos de dez mil séculos; e, ao morrer, eles são reunidos na morada de Mandos, em Valinor, de onde podem depois retornar.
Já os filhos dos homens morrem de verdade, e deixam o mundo, motivo pelo qual são chamados de Hóspedes ou Forasteiros. A morte é seu destino, o dom de Ilúvatar, que, com o passar do tempo, até os poderes hão de invejar. Melkor [Lúcifer], porém lançou sua sombra sobre esse dom, confundindo-o com as trevas; e fez surgir o mal do bem; e o medo, da esperança. Outrora, no entanto, os Valar declararam aos elfos em Valinor que os homens juntarão suas vozes ao coro na segunda música dos Ainur; embora Ilúvatar não tenha revelado suas intenções com relação aos elfos depois do fim do mundo; e Melkor ainda não as tenha descoberto.
Já os filhos dos homens morrem de verdade, e deixam o mundo, motivo pelo qual são chamados de Hóspedes ou Forasteiros. A morte é seu destino, o dom de Ilúvatar, que, com o passar do tempo, até os poderes hão de invejar. Melkor [Lúcifer], porém lançou sua sombra sobre esse dom, confundindo-o com as trevas; e fez surgir o mal do bem; e o medo, da esperança. Outrora, no entanto, os Valar declararam aos elfos em Valinor que os homens juntarão suas vozes ao coro na segunda música dos Ainur; embora Ilúvatar não tenha revelado suas intenções com relação aos elfos depois do fim do mundo; e Melkor ainda não as tenha descoberto.
JOHN RONALD REUEL TOLKIEN, The Silmarillion, Londres, 1977.
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