domingo, 5 de outubro de 2008

O governante e o bem comum

Logo, se é natural ao homem o viver em sociedade de muitos, cumpre que haja, entre os homens, algo pelo que seja governada a multidão. Que, se houvera muitos homens e tratasse cada um do que lhe conviesse, dispersar-se-ia a multidão em diversidade, caso também não houvesse algo cuidando do que pertence ao bem da multidão, assim como se corromperia o corpo do homem e de qualquer animal, se não existira alguma potência regedora comum, visando ao bem comum de todos os membros. Isso podendo, diz Salomão (Pr 11, 14): “Onde não há governante, dissipar-se-á o povo”. E, por certo, é razoável pois não são idênticos o próprio e o comum. O que é próprio divide, e o comum une. Aos diversos correspondem causas diversas. Assim, importa existir, além do que move ao bem particular de cada um, o que mova ao bem comum de muitos. Pelo que, em todas as coisas ordenadas se acha algum direito mais elevado. E, no mundo dos corpos, o primeiro corpo, isto é, o celeste, dirige os demais, por certa ordem da divina providência, e a todos os corpos os rege o corpo, e, entre as partes da alma, o irascível e o concupiscível são dirigidos pela razão. Também, entre os membros do corpo, um é o principal, que todos move, como o coração, ou a cabeça. Cumpre, por conseguinte, que, em toda multidão, haja um regente.

Assim como sucede em certas coisas ordenadas a um fim, andar direito ou não, também no governo da multidão se dá o reto e o não-reto. Uma coisa dirige-se retamente, quando vai para o fim conveniente; não-retamente, porém, quando vai para o fim não-conveniente. Um, porém, é o fim conveniente à multidão dos livres, e outros à dos escravos; como o livre é a sua própria causa, ao passo que o escravo, no que é, pertence a outrem. Se, pois, a multidão dos livres é ordenada pelo governante ao bem comum da multidão, o regime será reto e justo, como aos livres convém. Se, contudo, o governo se ordenar não ao bem comum da multidão, mas ao bem privado do governante, será injusto e perverso o governo. Dá ameaçar o Senhor tais governadores, por Ezequiel (34,2): “Ai dos pastores que a si mesmos se apascentavam (como procurando os seus próprios interesses) – porventura não são os rebanhos apascentados pelos pastores”. Em virtude, devem os pastores buscar o bem do rebanho e os governantes o bem da multidão a eles sujeita...forma parte do conceito de rei ser o que preside,o pastor que busca o bem comum da multidão e não o seu próprio.

SANTO TOMÁS DE AQUINO, De Regno (Do Regime dos Príncipes), II. 4–5. 7. Escrita aproximadamente no ano 1267.

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