domingo, 26 de outubro de 2008

A Universidade segundo Newman

Se me pedissem uma descrição breve e popular do que seja um Universidade, derivaria minha resposta da antiga designação, Studium Generale, ou “Escola de Conhecimentos Universais”. Esta descrição supõe a reunião de estrangeiros de todas as procedências em um lugar: de todas as procedências, do contrário, como se encontrariam professores e estudantes para todos os departamentos do saber? E num lugar, senão como poderia haver realmente uma escola? Consonantemente, em sua forma simples e rudimentar, é uma escola de toda sorte de saber, contando com professores e mestres de todos os quadrantes. Muitos são os requisitos para completar e satisfazer a idéia incorporada nesta descrição; porém sem mais vemos que uma Universidade em sua essência parece ser um lugar para a comunicação e circulação do pensamento, mediante a comunicação pessoal, dominando uma vasta extensão do país.

Nada há de rebuscado e irrazoável nesta nossa concepção assim apresentada. E se tal é uma Universidade, pois então a Universidade vai bem de encontro a uma necessidade de nossa natureza, e não é mais do que a concretização num determinado setor, do que poderia tornar outras formas em outros para prover à mesma necessidade, pois a educação mútua, no sentido lato da palavra, é uma das grandes incessantes ocupações da sociedade humana, a que o homem se entrega já de per si, já intencionalmente um geração forma a seguinte; e a geração existente está perpetuamente agindo e reagindo sobre si própria na pessoa de cada membro. Neste processo educativo, não será preciso dizer, que os livros, a Littera Scripta, são um dos instrumentos.

[...] O campo e o inestimável serviço da Littera Scripta, é o de ser o arquivo da verdade, uma autoridade a que se apelar, um instrumento de ensino nas mãos de um professor; mas se queremos ser exatos e nos torna plenamente equipados em qualquer ramo do conhecimento que seja variado e difícil, temos que consultar o homem vivo e ouvir a sua viva voz.

[...] Livro algum poderá carrear o espírito peculiar, e as delicadas particularidades do seu tema com a rapidez e a certeza que animam a simpatia de uma mente com a outra, através do olhos, da expressão, da tonalidade, da maneira, nas fórmulas casuais saída de improviso e os giros espontâneos da conversação familiar.

[...] Os princípios gerais de qualquer matéria podem ser estudados em casa num livro; mas o por menor, a cor, o tom, o ar, a vida que a faz viver em nós, temos que captar tudo isso daqueles em que já está vivendo. Temos que fazer como o estudante francês ou alemão, que não contente com sua gramática, vai a Paris ou Dresden; ou como o jovem artista ansioso por visitar os grandes mestres em Florença e em Roma. Enquanto não se houver descoberto um espécie de fotografia intelectual que retrate o andamento do pensar, e a forma, os lineamentos, as feições da verdade e isto tão completa e minuciosamente como o aparelho ótico reproduz o objeto sensível; não há senão ir aos mestres da sabedoria para aprender a sabedoria, senão recorrer à fonte e daí beber. Doses podem ir daqui aos confins da terra levado por livros; mas a plenitude está só num lugar (: a Universidade). Os mesmo livros, obras mestras do gênio humano são escritos, ou pelo menos têm origem em tais ajuntamentos e congregações da inteligência.

[...] Uma universidade é o lugar de concurso, onde estudantes vêm de todos os cantos em busca de todo o gênero de conhecimentos. Impossível terem em toda a parte o melhor de tudo... Por força das coisas, grandeza e unidade vão juntas: a excelência supõe um centro... a Universidade é o lugar para onde colaboram mil escolas; no qual a inteligência facilmente pode ter surto e especular, certa de achar seus iguais nalguma atividade rival, e o seu juiz no tribunal da verdade. É o lugar onde a investigação é incentivada, as descobertas verificadas e aperfeiçoadas, o arrojo feito inofensivo, o erro indigitado, pela colisão de mente com mente, e de conhecimento com conhecimento. O lugar onde o professor se faz eloqüente, é missionário e pregador, apresentando o seu saber pela forma mais completa e sedutora, vertendo-o com zelo do entusiasmo, e acendendo o próprio amor no seio dos ouvintes. Lugar em que o catequista solidifica o caminho ao passo que progride, martelando a verdade dia a dia na memória pronta, como que entalado-a e apertando-a na razão em desenvolvimento. Lugar que arrebata por sua celebridade a admiração dos moços, inflama por sua beleza as afeiçoes dos de meia idade e assegura por suas associações a fidelidade dos velhos. Ela é a Sede da sabedoria, luz do mundo, ministra da fé, a Alma Mater da geração que sobe. Isto e muito mais é uma Universidade a pedir melhor talento e mão do que a minha para descrevê-la. Assim é um Universidade em sua essência e em seu fim, e em boa parte assim tem sido de fato até agora. Sê-lo-á de novo?

CARDEAL JOHN HENRY NEWMAN, Idéia da Universidade, Dublin, 1858

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